Do leitor Carlos Barreto, sobre a violência que ceifou a vida do médico Salvador Nahmias:
Há pouco mais de quatro meses, na Campina, onde moro, assisti da porta de minha casa a uma tentativa de seqüestro relâmpago de minha esposa. De trás da porta - que tentava desesperadamente abrir liberando uma seqüência de três fechaduras -, pude ver que dois molecotes tentavam puxá-la de volta para dentro do carro.
Abortei o crime no grito e graças a Deus os dois moleques iniciaram fuga, levando a bolsa de minha esposa. Foram caçados por uma turba que saiu em seu encalço. Pouco depois, um deles seria atropelado por um ônibus e deixou cair a bolsa, que foi devolvida gentilmente por populares. Neste caso, não houve nenhuma perda: nem material, nem de vida humana.
Há cinco meses, minha cunhada não teve a mesma sorte e foi abordada por dois motociclistas na saída do banco (em pleno bairro do Jurunas, próximo à casa dos pais da governadora). De arma em punho, eles a obrigaram a entregar 1000 reais para o pagamento de suas necessidades. Por sorte, apesar do prejuízo material, ela saiu ilesa.
Duas entre inúmeras, incontáveis e cada vez mais acintosas histórias de crimes cometidos por molecotes. O modus operandi que todos já estão cansados de saber.
E assim caminha a escalada de violência sem fim nesta cidade. Esta cidade que um dia já se chamou Belém, onde outrora as pessoas botavam as cadeiras da sala na calçada para apreciar o entardecer.
Enquanto isso, continuo fazendo o trajeto diário que faço de casa para os hospitais e de lá para casa. Nada mais.
Sair à noite? Pago o que for necessário para não fazê-lo. Tento manter toda a diversão do fim-de-semana restrita aos domínios de meu lar. Seguro? Estou bem longe de acomodar-me com esta tese, quase anedótica. Mas ao menos, estou em minha casa.
Se tiver que morrer, morro ao lado dos meus, defendendo-os até o fim. Não numa vala imunda e fria. Jamais na via pública. Sozinho. Sem uma mão amiga, de cheiro familiar, a ouvir minhas últimas palavras, meus agradecimentos, minhas desculpas, minha alegria ou minha dor.
Coisa que o médico Salvador Nahmias, e muitos outros, nos mais diferentes níveis da sociedade, não mereceram. E nós cidadãos, pagadores de impostos onerosos e muitas vezes indecentes, continuamos sem ver o fim. Estamos todos sucumbindo. Um a um, nas mãos de meliantes de pouca idade, que mal sabem manusear uma arma. Pena que elas sejam sempre tão certeiras. E ainda somos obrigados a ler imundas propagandas oficiais mostrando esforços de fachada, senão absolutamente inúteis.
E continuo a fazer o trajeto diário de casa para o trabalho, sem ver um único policial sequer na rua. Um único sequer. Um cadete, um guardinha, um soldado ou algo que o valha. Uma viatura aqui, outra lá, eventualmente e só!
É a parte que me cabe neste universo de imundície, desídia, desgovernos sucessivos e caos que se transformou Belém.
E dê-me por satisfeito!
Um comentário:
Pois é Carlos, estamos literalmente nos gradeando dentro de nossos lares, enquanto os meliantes estão em plena liberdade, chafurdando a vida de permeio por quem ainda tem coragem de sair a noite. Tiste. Muito triste.
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