quarta-feira, 9 de julho de 2008

Entre a politicagem, o sinistro, as mortes e os fatos

Um Anônimo deixou o seguinte comentário sobre a postagem Palavras, palavras, palavras...:

O episódio envolvendo a morte dos bebês na UTI Neonatal da Santa Casa de Misericórdia do Pará mostra a gravidade da forma como a Imprensa parauara lida com seus próprios interesses e com os interesses corporativos.
Fica evidente, a cada manchete sinistra, a disposição de esfacelar a estrutura do Hospital, até anteontem classificado como referência, a capacidade dos seus técnicos e a subjetividades das famílias envolvidas, num enredo discursivo que assume a cada dia contornos políticos mais evidentes.
Neste redemoinho da politicagem, alimentado pelo calor das eleições municipais, vários interesses afloram. Nenhum deles relacionado ao interesse coletivo.
Num dos pólos, temos o jornal que se arvora em ser o melhor do norte. Defensor ardoroso dos 3 governos tucanos, de onde nutriu-se com muitos recursos, desde o monopólio dos investimentos em propaganda estatal, até o contrato para utilização das torres de transmissão da Funtelpa. Em sua cobertura, o jornal utiliza palavras como matadouro, carnificina, até genocídio (esta última atribuída ao senador Álvaro Dias) para caracterizar o atendimento no hospital, enlameando a conduta profissional dos técnicos do hospital. Utiliza-se também de dados falseados e (mal) manipulados, para imprimir um tom mais dramático no acontecimento. Levanta acusações levianas, onde suposições tornam-se fatos para em seguida virarem escândalos. Qual o objetivo deste grupo? Determinar como causa mortis dos bebês a composição política que derrotou seu candidato de coração nas eleições estaduais e encerrou seu ciclo monopolístico sobre as verbas de publicidade estatais.
Noutro, o jornal concorrente, que explora o assunto de forma a caracterizar a gestão da fundação como responsável pelas mortes. Gestão esta que, esclareçamos, foi engolida a contragosto pelo grupo político ao qual o jornal está ligado, em função das diatribes praticadas pelo antigo diretor. Diretor este que emprestou sua voz para que o jornal desqualificasse a gestão atual, devidamente defenestrada.
Um terceiro pólo concentra os interesses de uma entidade de classe, o sindicato dos médicos, historicamente ligado ao PCB/PPS. Com o objetivo de coesionar sua base social ás vésperas de uma eleição, onde seu presidente, o médico Waldir Cardoso sairá candidato a vereador, o sindicato levantou as denúncias e criou as condições para que o circo fosse armado. No tempo hábil, Waldir Cardoso sai de cena pra não ser enquadrado por propaganda extemporânea. Principal bandeira dos médicos: vencimento base de 7.500 reais. Justo, né? Mas não pensem vocês que nossos ilustres doutores trabalharão jornadas de 44 horas semanais.
No quarto pólo temos o Ministério Público, querendo desancar o governo por ter ousado questionar os repasses orçamentários a estes poderes. Ministério Público que, leniente por décadas no exercício de sua função institucional, hoje se arvora em ser o defensor. Pergunto-me onde esteve o nobre Parquet quando da municipalização da saúde, que destinou à esfera municipal a atenção básica em saúde? Não sabia o nobre Parquet que dezenas de prefeituras não dispunham sequer de um posto de saúde próprio quando foi municipalizada a saúde? Onde esteve o MP quando as doações de dezenas de ambulâncias era a política de saúde do governo do estado?
Neste meio, ainda temos CRM (cuja idoneidade é risível, haja vista a homenagem ao prefeito “oftalmologista” em seu aniversário), Associações de Médicos e parlamentares beneficiados pelas doações de ambulâncias.
Neste redemoinho que se tornou o debate público sobre o imbróglio Santa Casa, acho que a voz mais saudável e com pé na realidade foi a das médicas da Sociedade Paraense de Pediatria, onde apontaram causas reais, problemas reais, apontaram soluções reais e respeitaram a integridade dos profissionais do hospital e a integridade das famílias vitimadas pela fragilidade do sistema público de saúde no Brasil. Infelizmente, foi a que teve menos repercussão, afinal não defendeu interesses politiqueiros. Afinal, estamos em ano de eleição, não é mesmo?

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Do Espaço Aberto:
Anônimo, o blog não vai ingressar em questões atinentes a jornal A, B ou C. Não vai defender entidades de classe. Não vai defender o Ministério Público. Não vai entrar no mérito da atuação deste ou daquele grupo político. Não vai defender quem quer que seja porque seria até um demérito fazê-lo, eis que cada um tem plena capacidade de se defender pelos meios – civilizados, claro - que achar mais adequados. É preciso, todavia, fazer algumas colocações.
1. Anônimo, o sinistro não está em cada manchete, não. O sinistro está na situação da Santa Casa. Sinistra é a situação da Santa Casa. Você quer discutir as causas que levaram a esta situação sinistra? Discutamos. Você acha que as causas que levaram a esta situação sinistra são também elas sinistras? Está bem, podemos até admitir que sim. Mas, repita-se: as manchetes sinistras revelam a situação sinistra em que se transformou a Santa Casa. Infelizmente. Sinistramente.
2. A inteligência, o bom senso e a racionalidade indicam que ninguém, jamais, em tempo algum seria capaz de pretender “esfacelar a estrutura do Hospital”. O hospital, Anônimo, é que se esfacelou por si mesmo. Para não incomodá-lo com datas, Anônimo, não vamos nem precisar o período a partir do qual a própria Santa Casa foi esfacelada pelos que a dirigiram. Basta repetir isto: a própria Santa Casa é que esfacelou, triturou, fragilizou, mortificou sua própria estrutura. Para espanto da sociedade e com sacrifícios de vidas. Vidas humanas. Mais de 60 vidas. Em pouquíssimo espaço de tempo. É fato, Anônimo. Fato sinistro, mas fato.
3. Anônimo, você tem razão quando aponta suas lupas e seus estetoscópios para ver sinais e auscultar os sons – ainda que remotos – que emanam do “redemoinho da politicagem, alimentado pelo calor das eleições municipais”. Mas olhe, Anônimo, uma coisa é o fato. Outra coisa é a exploração do fato. É fato que a Santa Casa transformou-se num matadouro de crianças. Isto é um fato. Agora, a exploração que se faz desse fato pode ganhar diversos vieses, diversos contornos. Você quer ver? Há os que, por exemplo, vêem na Santa Casa o reduto do apocalipse. Estes, você dirá, são os que alimentam politicagens e interesses eleitorais contra o governo do Estado. E há os que até mandam imprimir uma peça publicitária e a veiculam nos jornais de Belém, mostrando uma outra Santa Casa, mostrando uma Santa Casa que não é aquela que causa espanto a Belém, ao Pará e ao Brasil. Você viu só, Anônimo? O fato é um apenas; mas este fato suscita várias interpretações. As interpretações que mais estiverem condizentes com o fato é que são as mais, digamos, aceitáveis. Está bom assim?
4. “Afinal, estamos em ano de eleição, não é mesmo?” – você pergunta. Estamos, sim. Estamos em ano de eleição. Então, só porque estamos em ano de eleição, vamos fechar o botequim? Vamos deixar de discutir, de debater e de criticar? Todo mundo haverá de ficar no samba de uma nota só? Estaremos condenados a ficar na toada monocórdia, agrilhoados à voz oficial que, diante de uma mortandade de bebês sem precedentes, ora diz que as mortes foram “ocasionais”, ora manda veicular impressos publicitários para negar fatos ou para edulcorá-los com as tintas de uma “verdade” que ninguém alcança? É assim que devemos ficar – acorrentados pela voz oficial? Se concordarmos com a voz oficial, não estaremos incorrendo no “pecado” da “exploração eleitoreira”; do contrário, mereceremos ser execrados, porque não tivemos capacidade de nos desviar do “redemoinho da politicagem”. É isso mesmo, Anônimo?
5. Por fim, Anônimo, você bem que poderia ter-se identificado. Seu comentário está contundente, mas ponderado. Está bem escrito. Suas colocações estimulam um bom debate, porque só há bom debate quando há bons argumentos a serem combatidos. Mas valeria a pena você se identificar porque, inclusive, você mencionou pessoas e entidades. De qualquer forma, valeu a pena você postar-se de um lado até agora sem defensores: o lado oficial. E ainda bem que você está desse lado. Do contrário, como poderíamos divergir? Como poderíamos debater?

3 comentários:

Anônimo disse...

Golaço, e logo na data comemorativa dos 100 mil acessos!
Parabéns!
Espaço Aberto 1 x 0 "anônimo porta-voz oficial".

Anônimo disse...

Desculpe, mas não vi no comentário do anônimo nenhuma posição favorável ao governo, para se dizer que ele defende a posição oficial. O que vi foi uma série da elementos, de um lado e de outro, que prejudicam a busca de uma solução de fato para a situação caótica. Vi alguém, com isenção, responsabilizar todos e mostrar interesse sim, pela Santa Casa e aqueles que nela trabalham.

Poster disse...

Anônimo das 15:12,
Não é apenas o comentarista que mostra interesse pela Santa Casa. Todos nós temos interesse pela Santa Casa. Você há de convir que a melhoria das condições da Santa Casa implica, em conseqüência, a suspensão de ocorrências como essas mortes em série.
Quando criticamos a situação da Santa Casa é porque queremos, justamente, que ela melhore.
Quanto à alegada isenção, sinceramente, não vimos, não. Mas isso é uma interpretação nossa. Ademais, e mesmo que o comentarista tenha pretendido posicionar-se favoravelmente ao governo do Estado, não pense que encaramos isso como demérito dele. Muito pelo contrário. Assumir posições é um ato de dignidade. É um ato dignificante. Mas todas as posições são discutíveis. Porque a unanimidade, você sabe, é horrível. Por isso, o comentarista fez certo ao expor sua posição. E ele pode voltar aqui quantas vezes quiser que será bem-vindo. E você também.
Abs.