quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Idólatras do poder
A conceituação de seita é clarificada na religião. Sectário é um grupo religioso exclusivista, que acredita ser depositário único das revelações divinas. Tem fé, regras e ritos próprios. A salvação do mundo inteiro perpassa por ele. Tem leitura pronta para tudo e fórmula fechada para qualquer novidade.
Do mesmo modo, comportam-se alguns políticos e seus partidos. Com inflamados discursos democráticos, suas condutas negam as virtudes que tanto apregoam. Estão sempre dispostos a elogiar a imprensa quando os põe nas vitrines iluminadas. Mas não resistem a denunciá-la quando expostos desbotados e na penumbra duvidosa da licitude, da ética ou da moral.
A linha que separa democracia e tiranos é tênue. Capilar. Diria mesmo que o egocentrismo pelo poder navega no mesmo leito dos bons governos. São como as correntes marítimas no fundo dos oceanos. Só eleitores preparados conseguem diferenciar essas águas. Enxergar quando abandonam seus bons limites e caem na vala comum.
No Brasil, de democracia recente, é necessário vigiar. Vigiar os governantes. Compará-los antes e depois que receberam o cetro do poder. Examinar se ainda conservam o mesmo curso. A Constituição garante um mandato. Mas, se o povo assim quiser, poderá haver reeleição, que implica não deixar esfriar a cadeira. Agora, oito anos é o limite. Nada mais! Se o político quiser voltar, precisa passar quatro anos de prova.
Devemos estar vigilantes contra os idólatras do poder. Que fazem deuses de si mesmos. São governantes assim o maior risco da democracia. Se lutam para se conservar nos bastidores, devem ser retirados de cena. Se querem algum tipo de terceiro mandato, devem logo ser despedidos.
A democracia exige renovação. Esta é seu sangue, sua vida. Nada de paternalismo. Nada de concentrar o poder político nas mãos de poucos. Nunca fazer concessões, por mais santificado pareça o governante. Desocupar a cadeira quando não couber mais mandato é a regra da qual depende a democracia.
Ao povo pertence o poder. Ele é soberano para manter e tirar quem quiser. Governantes não podem esquecer das urnas enquanto despacham. Cada voto a favor pode virar contra, e vice-versa. O braço que põe é o mesmo que tira. Não adianta chorar porque o voto é eletrônico. Frio e secreto.
Não temos como conhecer governos se não os constituirmos. Eleitos, nos dirão claramente em que águas correm. Se trabalham, saberemos todos. Se esquecermos, seremos lembrados durante o programa eleitoral, com certeza! Mas, se nada fazem, saberemos também. A omissão precisa de muitas palavras. Obras falam por si mesmas. São bastante fluentes na colheita de votos.
Não precisamos de conselheiros eleitorais. O povo é produto da história. Se não sabemos votar, é porque nos geraram desse modo. Mesmo assim, não precisamos de ajuda. Recusamos precursores messiânicos. A democracia não precisa de bengalas. Seu mérito é andar sozinha, com as próprias pernas, ainda que caia e se levante. Sua cura deriva desse processo.
A democracia não se dá bem com as seitas. Sendo governo do povo, governa para todos, sem diferença de nada. Juridicamente, todos devemos ser iguais. Respeitados na condição de cidadãos, que pagam os mesmos impostos. A democracia garante a diversidade, inclusive da religião. É por essa liberdade que o Brasil virou uma fábrica de igrejas, algumas piores do que o ateísmo, que não extorque o próximo.
A luz vermelha deve acender sempre nos finais dos mandatos, sobretudo quando somarem oito anos. Nessa hora, temos certeza do que foi feito, mas somos completamente cegos sobre o futuro. Ninguém nos convença de operações mirabolantes na medicina política. Ainda não inventaram transplante de alma. Coração alheio continua sendo terra desconhecida. É mesmo planeta longínquo. Quem nunca governou o país, ainda é uma incógnita. Suas variáveis, só conheceremos ao passar dos anos. Não vale carta de apresentação.
Em política, ninguém é insubstituível. Homem, mulher ou partido. Somos uma nação com excelentes profissionais. As universidades brasileiras estão repletas de gente qualificada para assessorar este ou aquele governante. Doutor e não graduado conseguem governar bem se fazem escolhas técnicas e não meramente políticas.
Devemos resistir a qualquer ideia sectária. Política está acessível a todos. Se o candidato passou no processo eleitoral e está apto a receber votos, vamos lá sem medo! Se o candidato ou a candidata não pretende governar para meia-dúzia, tenhamos coragem! Qualquer risco democrático é válido para fugir de ditadores. Principalmente quando conseguem fingir que ainda correm na mesma trilha.
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RUI RAIOL é escritor (www.ruiraiol.com.br)
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