segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Raciocinando em bloco
Olhando literalmente pelo buraco da fechadura, em política, uma das coisas engraçadas destas eleições é observar a mudança nos cálculos da oposição sobre o "poder de transferência" do Nosso Guia. Já faz mais de um ano que eles são feitos e refeitos, sempre corrigindo para cima a estimativa anterior. Contudo, às vésperas do começo da última etapa, com as campanhas chegando à televisão, eles voltaram a mudar, outra vez em sentido ascendente.
Precisamente em 2009, não havia quem, nos partidos de oposição, achasse que a aposta do Nosso Guia ao impor Dilma Rousseff daria certo. Além disso, entendiam que suas dificuldades próprias - inexperiência eleitoral, falta de carisma, pouca visibilidade de seu papel no governo (para ficar apenas com as mais citadas) - imporiam um limite à transferência de votos do Nosso Guia para ela.
Ademais, ninguém jamais discutiu que Dilma precisaria desses votos. Uma candidata neófita, que nunca disputara um cargo importante, sem qualquer notoriedade fora da área técnica do governo, só por milagre alcançaria votação sequer perceptível em uma eleição nacional. Só para ilustrar, veja-se o que aconteceu com Aécio Neves na pré-campanha. Apesar de ser o governador reeleito (e muito bem avaliado) do segundo maior colégio eleitoral do País, mal alcançava 20% quando teve de desistir, exatamente por lhe faltar maior volume de intenção de votos.
Mesmo sendo Dilma a candidata do Partido dos Trabalhadores, de longe o partido com maior número de filiados e simpatizantes, suas perspectivas continuavam baixa. Dilma mudou até seu estilo. Não vamos colocar rótulo. O PT, sozinho, seria insuficiente para elegê-la. Ou seja, para se tornar competitiva diante de José Serra e poder derrotá-lo, Dilma precisava de Lula. Ela sabia disso, ele também, assim como o pessoal que acompanha o Círio (e a todos os que por um motivo não podem fazê-lo).
Mas quantos seriam os votos que ele conseguiria repassar? Apesar de sua popularidade e simpatia, não haveria um limite a essa transferência? Ano passado, quem torcia por Serra, seja na sociedade civil, seja no meio político, escolheu a taxa de 20%. Na última semana de julho, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reviu as contas e fixou um novo limite. Para ele, depois de "Lula ter transferido para sua candidata 35% a 40% dos votos", alcançou "um teto". Agora, finalmente, segundo FHC, Dilma pararia de crescer. Acorda Serra!
Quem segura essa onda? De onde vem a convicção, considerando que ela, nos 40% atuais, já está a um passo de ganhar no primeiro turno? Tem mais, quem acha que a candidata não passa dos 40% esquece que o presidente a pôs nesse patamar somente falando dela, sem olhar nos olhos do eleitor e pedir seu voto. Quem acha que ela não passa de 40% pode se preparar. Vai, provavelmente, ter uma surpresa. Será?
Ainda, brechando, outra coisa engraçada destas eleições é que passou da hora do TSE tomar providências para minimizar as discrepâncias verificadas nas últimas pesquisas divulgadas. A diferença de 9 pontos entre duas delas extrapola em muito a margem de erro e, dessa forma, o bom senso e a credibilidade são lamentavelmente postos em dúvida. Se a finalidade de uma pesquisa eleitoral é informar de forma concisa, talvez fosse o caso de se uniformizarem de fato as suas metodologias. A quem interessa essa sopa de números? Ao eleitor, certamente não. A democracia agradece.
No primeiro debate presidencial sob os auspícios da TV Bandeirantes, nada acrescentou, os candidatos foram iguais em suas propostas. Quando o debate acabou, porém, a oposição vislumbrou uma esperança diante dos limites que Dilma expôs durante o confronto na frente das câmeras. É verdade que esse debate não deve ter nenhuma influência nas pesquisas de intenção de voto - ou no próprio resultado das urnas.
Raciocinando em bloco, o eleitor deve estar em seu momento furão - um miúdo mamífero carnívoro, da família dos mustelídeos, a quem também pertencem as doninhas, lontras e texugos. Estabelece-se num canto de floresta, depois de cavar fundo e abrir galerias caudalosas e bem escoradas terra adentro e definir ao cabo e refúgio cálido, aparentemente inalcançável, para o corpo cansado depois de um dia de faina e para os pensamentos acesos. Só costuma andar fora da toca à noite. É muito rápido e tem uma acuidade auditiva muito acentuada - e ponha acentuada nisso -, principalmente quando o meio externo lhe oferece perigo.
-----------------------------------------
SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário