sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Simetria entre magistratura e ministério público

Por GEORGE MARMELSTEIN

O Conselho Nacional de Justiça decidiu, recentemente, que deve haver uma simetria de tratamento entre a magistratura federal e o ministério público federal. Isso, na prática, significa que alguns direitos que os procuradores da república possuem devem ser estendidos aos juízes federais. Foram divulgadas muitas informações distorcidas a respeito disso. Aqui, demonstrarei o acerto daquela decisão.
De início, vale enfatizar que o pedido dos juízes tem um valor muito mais simbólico do que econômico: não consideramos justo que os membros do ministério público possuam mais direitos do que os magistrados. Queremos receber, no mínimo, o mesmo tratamento ao que é dado aos membros do ministério público. Se eles têm o direito de sentar do nosso lado, queremos ter o direito de sentar do lado deles.
Não há qualquer país que coloque os membros do ministério público num patamar acima da magistratura. O normal é que eles estejam ou no mesmo plano ou então que a magistratura esteja num patamar superior. Aqui, porém, os membros do ministério público recebem diversos direitos que os juízes federais não recebem. Há uma simetria desnivelada: todos os direitos eventualmente reconhecidos aos juízes escorrem para o lado do ministério público, mas os direitos deles não escorrem para o lado dos juízes.
A situação ficou insustentável a partir de 2005 com a aprovação do modelo de remuneração baseada nos subsídios, que é uniforme, transparente, simples e didático. Esse modelo torna cristalina qualquer injustiça, pois parte do princípio básico de que todos devem receber exatamente a mesma coisa. Não há mais penduricalhos como havia antigamente, nem mesmo adicional por tempo de serviço. Um juiz titular em final de carreira ganha o mesmo do que um juiz titular com pouco tempo de magistratura.
Os procuradores da república também recebem subsídios. E o valor do subsídio é exatamente igual ao valor do subsídio dos juízes federais. Quando há um reajuste no subsídio dos magistrados, os procuradores também recebem o mesmo índice de correção. É a mais perfeita ilustração da simetria. Aliás, para ser mais preciso, os procuradores estão sempre um degrau acima em matéria de subsídio, já que começam e terminam a sua carreira ganhando 5% a mais do que os juízes. A rigor, portanto, os magistrados estão num patamar sempre inferior. Hoje, o subsídio de um juiz federal substituto gira em torno de treze mil reais líquidos, e o do procurador da república recém-aprovado é de cerca de quatorze mil reais líquidos.
Mas o que está em questão não é apenas essa distorção em matéria de subsídio. Além disso, existem alguns direitos de natureza não-salarial que os membros do ministério público federal recebem e os juízes federais não, como o direito ao auxílio-alimentação, licença-prêmio e direito à conversão de parte das férias em pecúnia por necessidade do serviço. A permanecer essa situação, o intuito constitucional de colocar os ministros do STF no topo do regime remuneratório é frustrado.
Vale ressaltar que a extensão dos mencionados direitos à magistratura não aumentará um centavo sequer o subsídio dos juízes. O subsídio permanece o mesmo, ou seja, não há aumento de vencimentos. O que há é a possibilidade de se gozar de alguns direitos de natureza não-salarial, como a licença-prêmio, o direito à conversão indenizatória de parte das férias em pecúnia por necessidade do serviço e assim por diante. Para demonstrar que não há aumento de vencimento, basta dizer que, no contracheque dos juízes, não haverá um centavo a mais se o auxílio-alimentação for pago in natura, se houver gozo da licença-prêmio e das férias.
O CNJ é o órgão máximo da administração judiciária brasileira. É ele o órgão autorizado a expedir atos regulamentares para zelar pela dignidade da magistratura. Foi exatamente o que ele decidiu no caso ora comentado: a partir de uma relação de simetria que decorre da Constituição (juízes = procuradores, para o bem e para o mal), o CNJ decidiu que os estatutos também deveriam ser simétricos e, portanto, determinou o óbvio: se X = Y, e Y recebe os direitos A, B, C..., X também tem o direito de receber também os mesmos A, B, C...
Essa situação – onde os juízes precisam implorar de joelhos para receber um tratamento idêntico ao do ministério público! – causa indignação em boa parte da magistratura. Por isso, a decisão do CNJ – órgão que dificilmente concede direitos e comumente impõe deveres aos juízes - foi uma conquista histórica e merece ser aplaudida, pois corrige uma distorção intolerável que perdura há quase duas décadas.

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GEORGE MARMELSTEIN é juiz federal em Fortaleza (CE).
O artigo foi extraído do Blog do Fred.

2 comentários:

Anônimo disse...

Uma perguntinha só: se é para dar tratamento igualitário às duas carreiras jurídicas tão semelhantes, por que não se reduzem os excessos de vantagens do Ministério Público Federal, para igualar seus direitos e deveres aos dos magistrados, em vez de elevar as vantagens dos magistrados aos patamares das benesses dos Procuradores da República? A briga dos magistrados está parecendo aquela velha máxima popularizada por Stanislaw Ponte Petra ou MIllor Fernandes, sei lá - "Ou restaura-se a moralidade, ou locupletemo-nos todos!". É isso.

Anônimo disse...

"Essa situação – ONDE os juízes precisam implorar de joelhos para receber um tratamento idêntico ao do ministério público! – causa indignação em boa parte da magistratura".

O juiz que não usa o advérbio corretamente não merece ganhar o que ganha, Senhor Juiz.

Juiz que implora de joelhos é personagem de mitologia que só existe na cabeça do... Senhor Juiz. Quem conhece a personalidade de muitos dos nossos Juízes sabe: Eles não possuem essa parte da anatomia que serve para genuflexão.