sábado, 12 de setembro de 2009

O mundo pós crise. Como usar.

Na VEJA:

Dá para acreditar? Mas os economistas que agora dizem que já estamos no pós-crise não são os mesmos que deixaram de perceber os sinais da chegada do tsunami financeiro que se abateu sobre o planeta Terra há exatamente um ano? A pergunta acima tem a sabedoria do senso comum e a força lógica que só o sofrimento na própria carne proporciona ao Homo economicus, o ser humano que construiu a "sociedade comercial" na formulação clássica do escocês Adam Smith (1723-1790). Smith foi o primeiro estudioso a receber o epíteto de economista. Foi também o primeiro economista a ser criticado pela excessiva confiança em modelos de comportamento humano para explicar o funcionamento dos mecanismos de produção e distribuição de riqueza. O escocês genial, solteirão que sempre morou com a mãe, distraído a ponto de andar em trajes de banho pelas ruas de Glasgow, foi o autor da célebre constatação de que o Homo economicus age comercialmente por interesse próprio, egoísmo e cobiça. Em sua Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações, obra publicada em 1776, ele mostrou que o padeiro e o açougueiro trabalhavam não pelo prazer de alimentar os clientes, mas para faturar uma grana e tentar ficar ricos. Agora que se completa o primeiro ano da pior crise econômica desde a Grande Depressão da década de 30, conhecida por ter ensejado a maior destruição de riqueza da humanidade em tempos de paz, Adam Smith, sua obra e a atividade da qual ele é patrono, a economia, estão amargamente na boca do povo. Dá para acreditar nos economistas? Como se verá nas páginas seguintes, o mundo que ressurge no pós-crise sugere que eles, mais uma vez, estão merecendo crédito.
Grandes guinadas podem começar com enunciados grandiloquentes, como Pedro I no Grito do Ipiranga ("Laços fora, soldados! As cortes querem mesmo escravizar o Brasil!") ou os fundadores dos Estados Unidos ao se separarem da Inglaterra ("Quando, no curso dos eventos humanos, se torna necessário para um povo dissolver os laços...") e mesmo os comunistas dando início a sua precocemente derrotada caminhada histórica ("Um espectro ronda a Europa..."). Não é a regra, porém. Transformações até mais radicais podem ser anunciadas sem nenhuma ênfase, como ocorreu em 1953, quando da descoberta da forma do DNA, a maior revolução da medicina e da biologia ("Gostaríamos de sugerir uma estrutura para o sal do ácido desoxirribonucleico..."). A maior crise eco-nômica desde a Grande Depressão foi revelada com a impessoalidade e a falsa delicadeza dos anúncios fúnebres – estilo que exasperou Leopold Bloom, personagem central de Ulisses, de James Joyce. Bloom vai ao enterro de Paddy Dignam, alcoólatra falido, inútil e temerário pai de família. No cemitério vê uma ratazana e a imagina furando a terra para devorar as entranhas do morto. No dia seguinte, Bloom lê o anúncio fúnebre no jornal em que trabalhava: "Um valioso membro dessa comunidade morreu on-tem deixando viúva e filhos...". Em quase todos os sites jornalísticos do mundo, a catástrofe foi, com ligeiras variações, anunciada assim em 15 de setembro de 2008, uma segunda-feira: "Nesta manhã, a Lehman Brothers, uma das mais prestigiosas instituições de Wall Street, entrou com um pedido de proteção por falência depois que as tentativas para salvá-la feitas durante o fim de semana fracassaram". Nos meses seguintes, os desdobramentos da falência do Lehman Brothers desencadeariam uma torrente de destruição da riqueza de pessoas, empresas e países. Alguns meses depois, tinham sido reduzidos a cinzas em todos os continentes cerca de 50 tri-lhões de dólares, o equivalente a todo o PIB mundial, ou toda a riqueza produzida por todos os 6,5 bilhões de terráqueos durante um ano. Só nos Estados Unidos, as famílias perderam 14 trilhões de dólares. Dados do Censo americano, divulgados na semana passada, evidenciaram os efeitos da recessão no bem-estar da população: a renda média dos americanos caiu 3,6% em 2008, a maior retração em quatro décadas, e o porcentual dos que vivem na pobreza subiu para 13,2%, o maior desde 1997. Além disso, a taxa de desemprego está perto de 10%, mais que o dobro da registrada nos tempos de bonança.

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