Começou tumultuada a quarta audiência pública para debater o projeto da hidrelétrica de Belo Monte, em Belém. Os procuradores da República Daniel Azeredo Avelino, Rodrigo Costa e Silva e Ubiratan Cazetta assim que chegaram ao local tiveram que intervir, juntamente com o promotor de Justiça Raimundo Moraes, para garantir a entrada dos indígenas e sem-terra, impedidos de entrar por homens da Força Nacional.
O coordenador da Força Nacional,diante da argumentação dos membros do MP de que era necessária a participação de todos os movimentos sociais, avisou que ninguém mais poderia entrar, uma vez que a lotação do local estava esgotada. "Se mais pessoas entrarem, eu não posso me responsabilizar pela segurança",disse.
O local escolhido pelo Ibama para a realização da audiência foi o teatro Margarida Schivazapa, no centro de Belém, com capacidade para 480 pessoas. Com a entrada dos índios e dos sem-terra,cerca de 600 pessoas já lotavam o teatro e as escadarias, e ainda assim dezenas se amontoavam do lado de fora. Eram pesquisadores e estudantes universitários, assim como integrantes de movimentos sociais.
Os membros do MP tentaram negociar com o presidente do Ibama, Roberto Messias, para que a audiência fosse realizada em um auditório maior,que abrigasse todos os interessados. Eles argumentaram que não seria possível garantir nem a segurança de quem estava dentro, nem a participação de quem estava fora.
A promotora de Justiça Eliane Moreira, que chegou alguns minutos depois de iniciada a negociação, relatou que até no estacionamento estava impossível entrar. Mas Messias não concordou: alegou que quem não tinha entrado acompanharia pelo telão instalado do lado de fora e descartou um acordo para adiar a audiência.
Sem acordo, a audiência se iniciou em meio a tumultos, mas foi logo interrompida. Após o pronunciamento do representante do governo do Estado, Maurílio Monteiro, o procurador da República Rodrigo Costa e Silva consignou novo protesto pelo formato escolhido para as audiências e anunciou a retirada dos membros do MP.
"Estamos consignando novamente nosso protesto contra esse formato de audiência pública. Estivemos presentes às três audiências anteriores e já tivemos todas as prerrogativas do Ministério Público cerceadas pelos organizadores. O regulamento aprovado pelo Ibama não permite a efetiva participação nem do MP, nem a popular", iniciou Costa e Silva.
Foi seguido no protesto pelo representante do Ministério Público do Estado do Pará, Raimundo Moraes, que afirmou: "essa audiência é inédita em Belém. Nunca vi uma audiência pública feita com tanta força policial,impedindo até autoridades de entrarem no estacionamento. Nunca vi uma audiência pública em que a sociedade civil não participa da mesa, ao menos simbolicamente. Nenhum debate se faz dessa forma acanhada,restritiva, com violência institucionalizada. Até o regulamento dessa audiência é inconstitucional"
Eles anunciaram que ingressarão com pedidos na Justiça para tentar garantir a mínima participação popular nos debates sobre Belo Monte. E conclamaram os presentes a se retirarem. Cerca de metade das pessoas que estavam no auditório se retiraram, incluindo os índios presentes, entre os quais o cacique Kayapó Paulinho Payakan.
A audiência recomeçou, com vários lugares vazios no teatro. O único movimento social que permaneceu foi um grupo de moradores da região do Xingu favorável à implantação da hidrelétrica. Usavam uma camiseta com os dizeres "Belo Monte, Eu quero".
Enquanto os que ficaram assistam a uma apresentação de 50 minutos feita por uma das técnicas contratadas pelo consórcio de empreiteiras - Camargo Correa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez -que fez os estudos de viabilidade da obra, uma manifestação se iniciava no hall do teatro. Uma das ruas contíguas ficou interditada por alguns minutos.
Fonte: Assessoria de Imprensa do Ministério Público Federal
Um comentário:
Realmente, absolutamente infeliz a escolha do teatro para a audiência, subestimou a participação local mesmo tendo sido mais de mil pessoas em Brasil Novo e Vitória do Xingu e uns cinco mil am Altamira. Os "organizadores" resolveram colocar outras 500 cadeiras na praça dos artistas com telão, sendo garantida intervenção dentro do teatro aos interessados. Mas justiça seja feita, mesmo que todos os manifestantes ficassem, não lotariam nem metade do ambiente preparado em última hora.
A segurança não impedia a entrada de ninguém, impedia a entrada de materiais que pudessem ser usados como armas.
E como não havia participação popular garantida, se absolutamente todos poderiam se inscrever, intervir por três minutos, com direito a mais três após obter a resposta da mesa? Se 50 manifestante se inscrevessem, por exemplo, teriam cinco horas de fala. A mesa é obrigada, pelo regulamento, a atender a todos, tanto que em Altamira ficaram até às 2h30 da madrugada na sessão.
Os indígenas presentes ontem podem até ter se retirado junto com os manifestantes, mas logo que chegaram garantiram que só poderiam ficar em Belém até às 20h.
Em Altamira, Paulinho Paiakan e os 150 indígenas se retiraram no meio da sessão porque não aguentavam o barulho provocado pelos manifestantes. Não estavam conseguindo acompanhar a apresentação e o debate. Estão divididos também, muitos querem, com garantias, e muitos não querem. Foram lá para debater.
Ontem, tinha mesmo mais movimento contra movimento - "meia dúzia de gatos pingados" - do que contribuição crítica ao projeto. Isto sim faria diferença no processo. Afinal, o projeto Belo Monte, ex-Kararao, já mudou bastante e justamente porque há contribuição de alguns segmentos sociais.
N.M.
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