O Caderno 2 do “Estadão” – clique na imagem aí em cima e observe nas partes indicadas – publica matéria que menciona o último livro de Luiz Braga.
Leia abaixo:
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O convívio estreito com a doença e a morte durante três anos fizeram André François se sentir muito mais vivo hoje. A imponência da natureza mal tocada certifica a Araquém Alcântara a existência de Deus. Os últimos 20 anos visitando regularmente o Mercado Ver-o-Peso de Belém, no Pará, ensinaram a Luiz Braga que a magia da fotografia está em tirar de uma cena ordinária um cenário extraordinário. Essas impressões, reunidas em obras prestes a alcançar o público nas próximas semanas, têm em comum o retrato atual de diversos Brasis, encontrado nos altos preços de mantimentos em Seringal Canadá (AC), no mar de mata virgem na região conhecida por Cabeça do Cachorro (AM) e nas cores exuberantes das garrafas que têm banhos especiais, para quebrar inveja e afastar espírito, e ficam presas por barbantes em bancas do mercado fundado há mais de 300 anos na capital paraense.
Registros que podem ser intitulados como crônicas fotográficas: não só por coletarem imagens que, juntas, contam a história de um país que parece tão distante, mas por também oferecerem textos que expõem tudo aquilo que ficou mudo no retrato. Ainda que continuem defendendo o velho ditado que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras. "Tínhamos a necessidade de humanizar os números de estatísticas a respeito da saúde", explica François. Desde 2006, o paulistano se dedica a registrar o estado da saúde e o difícil acesso aos centros hospitalares da população nascida num Brasil de muitos rios, poucas "ambulanchas", escassas e precárias estradas e caras passagens aéreas. E, ainda assim, cheio de esperança.
No fim daquele ano, François lançou o primeiro livro da série, Cuidar: Um Documentário Sobre a Medicina Humanizada no Brasil. O trabalho teve como foco os profissionais que tratam como vida o que para muitos já pode significar morte. Pacientes terminais ou com poucas chances de prolongar seu tempo de vida que recebem atenção especial de médicos, enfermeiros e voluntários e foram considerados pelo fotógrafo como seres "iluminados". Nessas andanças, François notou a dificuldade extrema de acesso à saúde desses pacientes e decidiu, então, inverter os papéis dos protagonistas. Após dois anos, ele reúne mais de uma dezena de histórias de brasileiros em A Curva e o Caminho - Acesso à Saúde no Brasil. Alguns continuam vivos, outros morreram pouco depois de François tê-los conhecido. "Não vejo meu trabalho como arte, mas como ferramenta de sensibilização e provocação de reflexões. São casos específicos, mas que representam o desafio e a realidade da saúde no Brasil."
A entrevista foi feita por e-mail do Camboja, onde o fotógrafo está: ele se deu conta de que esse desafio não é exclusivamente nosso. E agora parte para documentar a questão em outras localidades do mundo. Para isso, conta com algumas parcerias, como a ONU e os Médicos Sem Fronteiras, além do apoio da Lei Rouanet desde o primeiro projeto que permitiu à indústria farmacêutica Roche o patrocínio integral de Cuidar e A Curva e o Caminho. "Aqui (no Camboja), o sistema de saúde é público, mas é pago. Só para se ter uma idéia, uma ambulância da capital até Siem Reap (a cerca de 300 km de distância) custa US$ 400", relata.
O cuidado para não parecer invasivo com a câmera é latente. Até o primeiro clique, a confiança entre personagem e fotógrafo já deve ter sido firmada. "Quando acompanho uma história é porque eu me interessei muito por ela, o que facilita criar um vínculo com a pessoa retratada", afirma. Vínculo que, inevitavelmente, deixa de ser profissional e acaba provocando muitas lágrimas. Como é possível confirmar na nova obra toda feita em preto-e-branco.
PARÁ E AMAZÔNIA
Para confeccionar a Crônica Fotográfica do Universo Mágico no Mercado Ver-o-Peso, o fotógrafo Luiz Braga não contou com a pressa. E, por ser de Belém, a "desmistificação" de seu olhar foi um processo natural. "Pouca gente se permite parar para observar e aprender. No momento que eu me dei conta disso, o meu trabalho começou a se aprofundar", afirma. Pelo prazer de andar pelo mercado, conversar com os vendedores e conferir as ofertas mais frescas regularmente, Braga foi colecionando imagens das mais diversas, que flagram momentos que parecem ser capazes de produzir até o cheirinho específico da sopa de peixe, do camarão salgado, dos tucunarés recém-pescados.
Também viabilizado pela Lei Rouanet, sob patrocínio da Natura, o álbum conta com a apresentação de Milton Hatoum e é todo entremeado pela poesia de João de Jesus Paes Loureiro - "É porto de apenas chegadas. Todos “vão” ao Ver-o-Peso. Para vender. Para comprar. Ninguém parte “do” Ver-o-Peso. Nele não há lugar para adeuses." Formado em arquitetura sem jamais ter exercido a profissão ("nunca construí nem um caixote, a minha caixa é a de luz"), Braga quer mergulhar agora na vida ribeirinha.
Vida que Araquém Alcântara conhece bem e retrata parte dela em três livros que vão dar início à comemoração dos 40 anos de sua carreira. Mata Atlântica e Bichos do Brasil são compilações dos melhores materiais já recolhidos e ainda contam com alguns inéditos, enquanto Cabeça do Cachorro é fruto das quatro viagens mais recentes para o Alto Rio Negro, uma delas feita com o médico e escritor Drauzio Varella, responsável pelo texto de apresentação, cujo início explica que a origem do nome da região vem do contorno do mapa naquela ponta do País: o formato da cabeça de um cachorro com a boca aberta. "Sem dúvida, a fotografia fala por si. Eu poderia apresentar a Cabeça do Cachorro em 10 linhas, mas textos de alta qualidade que explicam a história do local sempre serão bem-vindos", diz Araquém.
Drauzio relata ali a chegada dos "invasores brancos" na metade do século 17, a expedição pioneira de Alexandre Rodrigues Ferreira, realizada em 1785, e a subida pelo Rio Negro dos comerciantes em 1830. Atualiza a densidade populacional de 0,25 habitante por km², a pobreza da água cor de âmbar e do machismo que perdura e faz sofrer centenas de mulheres. Documentos valiosos de pedaços de terra também chamados de Brasil.
Leia abaixo:
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O convívio estreito com a doença e a morte durante três anos fizeram André François se sentir muito mais vivo hoje. A imponência da natureza mal tocada certifica a Araquém Alcântara a existência de Deus. Os últimos 20 anos visitando regularmente o Mercado Ver-o-Peso de Belém, no Pará, ensinaram a Luiz Braga que a magia da fotografia está em tirar de uma cena ordinária um cenário extraordinário. Essas impressões, reunidas em obras prestes a alcançar o público nas próximas semanas, têm em comum o retrato atual de diversos Brasis, encontrado nos altos preços de mantimentos em Seringal Canadá (AC), no mar de mata virgem na região conhecida por Cabeça do Cachorro (AM) e nas cores exuberantes das garrafas que têm banhos especiais, para quebrar inveja e afastar espírito, e ficam presas por barbantes em bancas do mercado fundado há mais de 300 anos na capital paraense.
Registros que podem ser intitulados como crônicas fotográficas: não só por coletarem imagens que, juntas, contam a história de um país que parece tão distante, mas por também oferecerem textos que expõem tudo aquilo que ficou mudo no retrato. Ainda que continuem defendendo o velho ditado que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras. "Tínhamos a necessidade de humanizar os números de estatísticas a respeito da saúde", explica François. Desde 2006, o paulistano se dedica a registrar o estado da saúde e o difícil acesso aos centros hospitalares da população nascida num Brasil de muitos rios, poucas "ambulanchas", escassas e precárias estradas e caras passagens aéreas. E, ainda assim, cheio de esperança.
No fim daquele ano, François lançou o primeiro livro da série, Cuidar: Um Documentário Sobre a Medicina Humanizada no Brasil. O trabalho teve como foco os profissionais que tratam como vida o que para muitos já pode significar morte. Pacientes terminais ou com poucas chances de prolongar seu tempo de vida que recebem atenção especial de médicos, enfermeiros e voluntários e foram considerados pelo fotógrafo como seres "iluminados". Nessas andanças, François notou a dificuldade extrema de acesso à saúde desses pacientes e decidiu, então, inverter os papéis dos protagonistas. Após dois anos, ele reúne mais de uma dezena de histórias de brasileiros em A Curva e o Caminho - Acesso à Saúde no Brasil. Alguns continuam vivos, outros morreram pouco depois de François tê-los conhecido. "Não vejo meu trabalho como arte, mas como ferramenta de sensibilização e provocação de reflexões. São casos específicos, mas que representam o desafio e a realidade da saúde no Brasil."
A entrevista foi feita por e-mail do Camboja, onde o fotógrafo está: ele se deu conta de que esse desafio não é exclusivamente nosso. E agora parte para documentar a questão em outras localidades do mundo. Para isso, conta com algumas parcerias, como a ONU e os Médicos Sem Fronteiras, além do apoio da Lei Rouanet desde o primeiro projeto que permitiu à indústria farmacêutica Roche o patrocínio integral de Cuidar e A Curva e o Caminho. "Aqui (no Camboja), o sistema de saúde é público, mas é pago. Só para se ter uma idéia, uma ambulância da capital até Siem Reap (a cerca de 300 km de distância) custa US$ 400", relata.
O cuidado para não parecer invasivo com a câmera é latente. Até o primeiro clique, a confiança entre personagem e fotógrafo já deve ter sido firmada. "Quando acompanho uma história é porque eu me interessei muito por ela, o que facilita criar um vínculo com a pessoa retratada", afirma. Vínculo que, inevitavelmente, deixa de ser profissional e acaba provocando muitas lágrimas. Como é possível confirmar na nova obra toda feita em preto-e-branco.
PARÁ E AMAZÔNIA
Para confeccionar a Crônica Fotográfica do Universo Mágico no Mercado Ver-o-Peso, o fotógrafo Luiz Braga não contou com a pressa. E, por ser de Belém, a "desmistificação" de seu olhar foi um processo natural. "Pouca gente se permite parar para observar e aprender. No momento que eu me dei conta disso, o meu trabalho começou a se aprofundar", afirma. Pelo prazer de andar pelo mercado, conversar com os vendedores e conferir as ofertas mais frescas regularmente, Braga foi colecionando imagens das mais diversas, que flagram momentos que parecem ser capazes de produzir até o cheirinho específico da sopa de peixe, do camarão salgado, dos tucunarés recém-pescados.
Também viabilizado pela Lei Rouanet, sob patrocínio da Natura, o álbum conta com a apresentação de Milton Hatoum e é todo entremeado pela poesia de João de Jesus Paes Loureiro - "É porto de apenas chegadas. Todos “vão” ao Ver-o-Peso. Para vender. Para comprar. Ninguém parte “do” Ver-o-Peso. Nele não há lugar para adeuses." Formado em arquitetura sem jamais ter exercido a profissão ("nunca construí nem um caixote, a minha caixa é a de luz"), Braga quer mergulhar agora na vida ribeirinha.
Vida que Araquém Alcântara conhece bem e retrata parte dela em três livros que vão dar início à comemoração dos 40 anos de sua carreira. Mata Atlântica e Bichos do Brasil são compilações dos melhores materiais já recolhidos e ainda contam com alguns inéditos, enquanto Cabeça do Cachorro é fruto das quatro viagens mais recentes para o Alto Rio Negro, uma delas feita com o médico e escritor Drauzio Varella, responsável pelo texto de apresentação, cujo início explica que a origem do nome da região vem do contorno do mapa naquela ponta do País: o formato da cabeça de um cachorro com a boca aberta. "Sem dúvida, a fotografia fala por si. Eu poderia apresentar a Cabeça do Cachorro em 10 linhas, mas textos de alta qualidade que explicam a história do local sempre serão bem-vindos", diz Araquém.
Drauzio relata ali a chegada dos "invasores brancos" na metade do século 17, a expedição pioneira de Alexandre Rodrigues Ferreira, realizada em 1785, e a subida pelo Rio Negro dos comerciantes em 1830. Atualiza a densidade populacional de 0,25 habitante por km², a pobreza da água cor de âmbar e do machismo que perdura e faz sofrer centenas de mulheres. Documentos valiosos de pedaços de terra também chamados de Brasil.
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