segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Linchamento resultou de descrédito, dizem moradores

No AMAZÔNIA:

Medo, insegurança e descrédito na Justiça e da polícia são os fatores que, de acordo com moradores da passagem Bom Sossego, em Ananindeua, motivaram um grupo de pessoas a linchar um assaltante no meio da rua, no início da semana passada.
'Nunca tinha presenciado nada assim. Foi uma cena horrível. Nem consegui dormir direito à noite. Mas a violência está muito grande, a população está cansada e revoltada. Acho que cenas como essas ainda vão se repetir muitas vezes', prevê a cabeleireira Vânia Cunha.
Foi em frente ao salão dela que ocorreu o assalto que culminou no linchamento de um dos bandidos. Por volta de 19h30, horário em que a passagem Bom Sossego registra grande movimento, dois homens abordaram um rapaz e tentaram roubar a moto dele, segundo comerciantes e moradores do local. Mas a vítima reagiu e chamou atenção das pessoas que passavam pela área. Logo o assaltante foi atacado a pedradas, com pedaços de pau e chutes. 'Era muita gente. Ele (bandido) ainda tentou correr, mas foi cercado. Eles o arrastaram a pontapés. O corpo ainda ficou um tempão jogado aí na rua', relembra Vânia, que continua abrindo o salão, mas com receio. 'O número de assaltos cresceu muito aqui na área', revela.
O crescimento da violência não ocorreu só em Ananindeua, mas Belém e em todos os municípios da Região Metropolitana. Segundo o pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA) Thomas Adalbert Mitschein, que acaba de lançar o livro 'Crescimento, Pobreza e Violência em Belém', a partir da década de 1990 a violência passa a ser apontada como o maior problema para a população da capital.
Um aumento que surgiu como conseqüência do crescimento demográfico ocorrido entre as décadas de 1960 e 1980, quando a população em Belém saltou de 300 mil para um milhão de habitantes.
'Um dos primeiros problemas acarretados com esse crescimento foi a ‘informalização’ do trabalho, já que a cidade não estava preparada para absorver toda essa mão-de-obra', explica Mitschein.
Crescimento demográfico e subemprego, na avaliação de Mitschein, geram violência. Em Belém, segundo o estudo feito pelo professor, 40% das crianças sobrevivem em famílias cuja renda mensal é inferior a meio salário mínimo.
A falta de dinheiro quase sempre vem associada a famílias desestruturadas, abandono por partes dos pais, mães que trabalham fora e filhos que passam boa parte do tempo na rua, sem ocupação. 'Mais tarde, essas crianças vão querer ingressar de qualquer forma no mercado de consumo', constata. Nem que para isso tenham que usar a violência.
Reação - Da parte da população igualmente pobre, e que é vítima dessa violência, a reação é 'fazer justiça com as próprias mãos', em alguns casos. 'Quando isso ocorre é porque já não há nenhuma credibilidade no poder das autoridades. É como se fosse a gota d’água em um balde prestes a transbordar', afirma Mitschein.
Para quem presencia um linchamento - por motivos óbvios ninguém admite ter participado do ato - existem sempre os fatores que justificam a ação. 'Ele podia ter matado um pai de família, então é melhor que ele tenha sido a vítima. Pelo menos sabemos que esse não vai roubar mais ninguém', comentou um senhor, que disse estar trabalhando no momento do linchamento na passagem Bom Sossego e preferiu não se identificar.
As queixas da população são quase sempre as mesmas: omissão da polícia e da Justiça. 'A polícia prende, mas não demora muito e eles estão soltos de novo. Principalmente quando são menores de idade. Eles voltam e roubam a gente de novo', completa o senhor.
O tom da voz é de revolta. Há alguns anos o pai dele foi vítima de um assaltante quando sai de casa para trabalhar. 'Ele reagiu e deram um tiro nele. O bandido nunca foi preso, mas soube depois que ele morreu lá em Marituba, numa suposta troca de tiros com a Polícia'.

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