sábado, 3 de maio de 2008

A prisão e o estado de inocência



A correta aplicação dos direitos fundamentais de caráter processual permite distinguir o Estado de Direito do Estado Policial.
O filósofo Norberto Bobbio afirmava que a proteção do cidadão nos processos estatais é que diferencia o Estado Democrático daquele de índole autoritária. Seria, pois, a realização do princípio da dignidade humana a impedir que sejamos convertidos em objeto pelo Estado.
No Brasil, a cultura dominante é voltada para condenar pessoas antes mesmo que o juiz assim o faça. Para evitar a materialização do ódio ou da vingança contra os que cometeram delitos, bem como para não permitir o surgimento de outros criminosos em decorrência da represália àqueles causadores do dano, foi transferido ao Estado o poder de julgar, cuja tarefa pertence aos juízes, quando se trata de crimes comuns.
Nesse contexto, nem todo agente acusado de uma infração penal poderá ser recolhido à prisão antes da decisão condenatória transitada em julgado. Fica garantida assim a manutenção do estado de inocência, pilar da dignidade humana.
Por mais que haja prova da materialidade e indícios suficientes da autoria delitiva, a conferir estrutura para a condenação definitiva, somente isso não basta para decretar a custódia preventiva. Nosso Código de Processo Penal brasileiro impõe ainda ao juiz que a prisão preventiva só poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Sem a prova de que o réu continua a delinqüir, ou de sua periculosidade, não há como custodiá-lo para acautelar o meio social e garantir a ordem pública. O clamor público também não é, e nunca foi, requisito para decretar-se tal prisão.
Se o indiciado não tenta influenciar testemunhas, policiais, peritos, intérpretes ou servidores da Justiça, e não pretende fugir ou não evita, reiterada vezes, ser citado ou intimado, ele não poderá ser preso preventivamente. Isso porque não estariam demonstradas a conveniência da instrução criminal ou a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal.
Também não faz qualquer sentido decretar esse tipo de prisão para garantir a segurança do acusado, que desse modo ficaria longe de desforra ou retaliação, o que seria um paradoxo com o princípio do estado de inocência. Além disso, a lei não prevê tal condição como fonte autorizadora da custódia cautelar, razão pela qual a decretação com base naquele argumento seria inconstitucional.
Claus Roxin sustenta que o direito processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele reside a atualidade política da Carta fundamental. Norberto Bobbio argumentava que no Estado Policial tem razão quem vence e no Estado Democrático vence quem tem razão, no que preferimos ficar com a última hipótese.
Se não quisermos afastar de nós os ditames constitucionais democráticos, há tempos assegurados em nossas constituições, é preciso fazer esforço para mudar o modo pelo qual interpretamos o estado de inocência, mesmo que para isso tenhamos que invocar princípios religiosos a fim de garantir essa modificação. Afinal, nada garante que amanhã não seremos os carrascos ávidos a implorar o perdão do ofendido por meio do Estado.

Roberto da Paixão Júnior é especialista em Direito do Estado
imcpaixao@superig.com.br

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