Indiciamento é o ato pelo qual o Estado, por meio de despacho dado no inquérito policial pelo delegado de polícia, acusa formalmente a pessoa investigada de ser a autora de um delito. Indagamos, então, se existe em nosso sistema jurídico a figura do "bom indiciamento". É o que veremos adiante.
Semanas atrás, escrevemos nesta coluna artigo com o título "O dossiê e o caminho do crime". Nele afirmamos que entre o plano criminoso que surge no foro íntimo do indivíduo e a consumação do delito existe um processo que poderia não se exteriorizar a ponto de ser observado por algum espectador, chamado de iter criminis (o caminho do crime).
Na ocasião, que tratava do vazamento do dossiê anti-FHC, sustentamos a existência do delito do art. 325 do CP (violação do dever de sigilo funcional), o que veio a ser confirmado na última sexta-feira (16.05), quando o ex-secretário de Controle Interno da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires, foi indiciado como autor desse delito pela polícia.
Embora para nós tenha faltado indiciar quem lhe deu a ordem e quem lhe repassou os dados, já que a conduta de Aparecido seria mero exaurimento do delito, interessa-nos na presente questão apenas saber do seu indiciamento.
Até o relatório final do inquérito, a autoridade policial é livre para indiciar quem e quando quiser. Mas o caso Aparecido foi inusitado. Para entender o porquê dessa alegação, é preciso recordar o encadeamento dos seguintes fatos.
Depois de ter sido convocado, na condição de testemunha, para ser inquirido, em 20.05, na CPI Mista dos Cartões Corporativos do Congresso Nacional, Aparecido foi ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 14.05.2008, para pedir salvo-conduto. Ele não queria correr o risco de ser preso durante a sua inquirição. Lembremos que a testemunha presta compromisso de dizer a verdade.
Tal pedido de habeas corpus, que tomou naquele tribunal o nº 94703, foi indeferido em 15/5/2008, pelo ministro Carlos Ayres Britto, o relator.
Com depoimento marcado na CPI mista para 20 de maio e negado o salvo-conduto, restaria a Aparecido ir à CPI mista na condição de testemunha.
Ocorre que em 16 de maio último surgiu o indiciamento feito pela polícia. Observemos que isso se deu quatro dias antes da data marcada para sua inquirição na CPI Mista, bem como depois da manifestação desfavorável a ele no STF.
Então, na condição de acusado formalmente pelo Estado de autor de um delito (indiciado), voltou ao Supremo para pedir, pela segunda vez, o salvo-conduto.
Em 19 de maio, aquele tribunal concedeu-lhe habeas corpus que o desobrigou a dar detalhes sobre o vazamento do dossiê, sem correr o risco de ser preso, pois não o sujeitou a assinar o termo de compromisso de dizer a verdade sobre o que lhe seria perguntado na CPI mista.
Pergunta-se: caso Aparecido não tivesse sido indiciado pela polícia, será que o Supremo teria concedido a ele o habeas corpus para não prestar o compromisso de dizer a verdade naquela CPI? Parece que não, haja vista que não havia motivo para alterar a primeira decisão. Afinal, Aparecido foi convocado como testemunha, lembram? Então, o que teria causado o indiciamento, senão facilitar a ida dele pela segunda vez ao Supremo?
No lugar de atrapalhar, que é a regra geral dos indiciamentos, a impressão que fica no caso é a de que o fato de ser indiciado ajudou o investigado. Parece que agora vigora no Brasil a figura do "bom indiciamento", a confirmar ditado popular: "dos males, o menor".
Roberto da Paixão Júnior é especialista em Direito do Estado
imcpaixao@superig.com.br
Semanas atrás, escrevemos nesta coluna artigo com o título "O dossiê e o caminho do crime". Nele afirmamos que entre o plano criminoso que surge no foro íntimo do indivíduo e a consumação do delito existe um processo que poderia não se exteriorizar a ponto de ser observado por algum espectador, chamado de iter criminis (o caminho do crime).
Na ocasião, que tratava do vazamento do dossiê anti-FHC, sustentamos a existência do delito do art. 325 do CP (violação do dever de sigilo funcional), o que veio a ser confirmado na última sexta-feira (16.05), quando o ex-secretário de Controle Interno da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires, foi indiciado como autor desse delito pela polícia.
Embora para nós tenha faltado indiciar quem lhe deu a ordem e quem lhe repassou os dados, já que a conduta de Aparecido seria mero exaurimento do delito, interessa-nos na presente questão apenas saber do seu indiciamento.
Até o relatório final do inquérito, a autoridade policial é livre para indiciar quem e quando quiser. Mas o caso Aparecido foi inusitado. Para entender o porquê dessa alegação, é preciso recordar o encadeamento dos seguintes fatos.
Depois de ter sido convocado, na condição de testemunha, para ser inquirido, em 20.05, na CPI Mista dos Cartões Corporativos do Congresso Nacional, Aparecido foi ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 14.05.2008, para pedir salvo-conduto. Ele não queria correr o risco de ser preso durante a sua inquirição. Lembremos que a testemunha presta compromisso de dizer a verdade.
Tal pedido de habeas corpus
Com depoimento marcado na CPI mista para 20 de maio e negado o salvo-conduto, restaria a Aparecido ir à CPI mista na condição de testemunha.
Ocorre que em 16 de maio último surgiu o indiciamento feito pela polícia. Observemos que isso se deu quatro dias antes da data marcada para sua inquirição na CPI Mista, bem como depois da manifestação desfavorável a ele no STF.
Então, na condição de acusado formalmente pelo Estado de autor de um delito (indiciado), voltou ao Supremo para pedir, pela segunda vez, o salvo-conduto.
Em 19 de maio, aquele tribunal concedeu-lhe habeas corpus
Pergunta-se: caso Aparecido não tivesse sido indiciado pela polícia, será que o Supremo teria concedido a ele o habeas corpus
No lugar de atrapalhar, que é a regra geral dos indiciamentos, a impressão que fica no caso é a de que o fato de ser indiciado ajudou o investigado. Parece que agora vigora no Brasil a figura do "bom indiciamento", a confirmar ditado popular: "dos males, o menor".
Roberto da Paixão Júnior é especialista em Direito do Estado
imcpaixao@superig.com.br
2 comentários:
Perfeito, o artigo do Dr. Roberto.
Vic Pires Franco
Esse é o Brasil em que vivemos... Mas ainda temos que acreditar naquela andorinha que ia do rio ao incêncio na floresta, incansavelmente, para apagá-lo. Seu artigo mostra que existem pessoas que não se deixam enganar e, com coragem, vão do rio ao incêndio. Que um dia venha o Verão!
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