domingo, 25 de maio de 2008

Inconfidência Mineira



A criação do "herói" e do "anti-herói

O Brasil é um país que possui uma capacidade extraordinariamente fértil para a semeadura de pessoas "aptas" a se tornar herói. Uma das primeiras atestações dessa qualidade foi a Inconfidência Mineira; não por ela mesma, mas em função da apropriação que os defensores do republicanismo fizeram daquele fato histórico.
No entanto, não era a Inconfidência Mineira que mais interessava àqueles, mas a um de seus participantes: Joaquim José da Silva Xavier. Tiradentes, um dos partícipes de primeira hora das confabulações que eram feitas ao apagar das luzes do século XVIII, nos casarões setecentistas de Vila Rica, capital da Capitania das Minas Gerais. Foram 100 anos depois de sua morte, alçado a participante-mór da Inconfidência Mineira.
Enforcado e esquartejado em 21 de abril de 1792, foi eleito o mártir que morreu, segundo a apropriação feita pelos republicanos novecentistas, em função de uma causa: a liberdade política. De sua morte, as autoridades régias de São Sebastião do Rio de Janeiro, capital da América portuguesa à época, fez um ato de grande espetacularização. Também um ato pedagógico. Pronunciaram 34 pessoas como réus do crime de lesa-majestade, das quais cinco eram eclesiásticos e três já falecidos. Onze dos culpados foram sentenciados à morte, mas apenas Tiradentes foi executado. Os demais condenados tiveram suas sentenças comutadas pela "Real Piedade" e "Real Clemência" de D. Maria I, por penas de degredo perpétuo.
Desde aquela data, a Inconfidência Mineira, bem como alguns de seus participantes, ficou esquecida, uma vez que para as autoridades lusitanas os inconfidentes tinham cometido crime contra a Coroa. Com os republicanos, a Inconfidência Mineira consubstanciou-se na ação "heróica" de Tiradentes. Estava eleito o herói da República, e obviamente da nação brasileira.
O "heroísmo" de Tiradentes tem até hoje muita força mítica. Apesar dessa força, retrospectivamente atribuída a partir do século XIX, Tiradentes jamais se colocou como "herói" no seio do grupo dos inconfidentes. De acordo com alguns registros, era um entusiasta com relação à separação da capital das Minas Gerais do Império português.
Contraditoriamente, sua participação na Inconfidência Mineira foi tida por outros participantes como ameaçadora, pois por onde andava fazia questão de falar da proximidade de novos tempos. Para alguns, sua ação falatória mais prejudicava do que contribuía. Em razão disso, foi advertido, pois poderia colocar tudo a perder. Sua entusiasmada propaganda dos planos rendeu-lhe epítetos nada enobrecedores, tampouco heróicos. Era considerado pelos próprios inconfidentes uma "fraca roupa" - pessoa de pouca importância.
Portanto, sua condição de "herói" pós-morte foi uma construção, isso porque não há registros históricos que apresentem indícios de que Tiradentes almejava posição de destaque tanto na Inconfidência Mineira, quanto na República que os inconfidentes desejavam implantar. Segundo historiadores a República, não possuía nenhuma figura capaz de sintetizar e sustentar simbolicamente o novo regime - em sua maioria, os conspiradores não eram pobres e nem pertenciam à massa da população; ao contrário, integravam a elite colonial. A proclamação fora o desfecho de um movimento de poucas raízes populares, praticamente um golpe militar que precisava de legitimação.
Herói, bandido ou bode expiatório? De acordo com o historiador Kenneth Maxwell, o enfoque excessivo sobre a figura de Tiradentes acabou deixando de lado o real significado do movimento, que foi o conflito entre grupos econômicos da colônia e do reino.
Mas se a imagem do "herói" foi construída quase um século depois da Inconfidência Mineira, a imagem do "anti-herói" começou a ser delineada logo após aquele 21 de abril. Joaquim Silvério dos Reis, cobrador de impostos e tributos à época ("contrato de entradas"), denunciou o grupo na esperança de que suas dívidas fossem perdoadas, apesar de não ter sido o único a delatar os planos inconfidentes, foi eleito o "anti-herói", o traidor. Silvério dos Reis foi transformado no traidor da pátria, antes mesmo dessa ser politicamente constituída. Ademais, estavam criadas as duas imagens opostas da Inconfidência Mineira, que se perpetuam até os nossos dias.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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