Na FOLHA DE S.PAULO:
Expediente que deveria ser restrito a casos de guerra ou calamidade pública, a criação de despesas por meio de medidas provisórias cresce exponencialmente no governo Luiz Inácio Lula da Silva e, só nos primeiros quatro meses deste ano, já chega aos R$ 3,2 bilhões. A multiplicação dos casos criou um impasse que hoje envolve os três Poderes.
O uso das MPs -ou créditos extraordinários, no jargão da tecnocracia- se tornou a forma corriqueira de atropelar as complicadas negociações com o Congresso em torno do Orçamento. Atividades tão prosaicas e previsíveis como a organização de eventos, a concessão de bolsas de estudo ou a conservação de rodovias têm suas verbas definidas de forma unilateral pelo Executivo, pelo procedimento reservado pela Constituição a emergências.
Mas são as obras, especialmente as do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que levam o Executivo a bater recordes na edição heterodoxa de MPs. Dos R$ 16,6 bilhões destinados em 2007 ao PAC, R$ 11,6 bilhões vieram de créditos extraordinários.
Não por acaso, o ano passado registrou um aumento de quase 100% no uso desse artifício, com a criação total de R$ 43,3 bilhões em gastos. Apesar da alegada urgência, grande parte desse dinheiro não chegou a ser gasta em 2007 e já passou a engordar os créditos deste ano -a lei permite a reabertura de créditos editados nos últimos quatro meses do ano anterior.
Neste ano, o Orçamento não havia completado um mês desde sua sanção quando o governo editou, em 16 de abril, uma MP com R$ 1,8 bilhão em novas despesas. Em 2007, a espera foi de dois meses para a criação de créditos do mesmo valor.
A disparada dos valores criou situações inusitadas. No mês passado, o governo anunciou o que parecia ser o maior corte de verbas orçamentárias da história, na casa dos R$ 20 bilhões, atingindo, principalmente, ministérios como Cidades, Esporte e Turismo -os que mais recebem verbas dos parlamentares no Orçamento. No entanto, nenhuma queixa foi ouvida.
É que toda a Esplanada já conta com as verbas criadas desde 2007 por MPs e prontas para serem utilizadas neste ano. Nos cálculos do Planejamento, há R$ 11 bilhões em créditos a serem gastos até dezembro -e novos estão a caminho.
Na prática, o mecanismo permite ao Executivo bloquear as despesas criadas via emendas parlamentares e substituí-las por ações de sua preferência. Como os gastos criados por MP podem ser contratados imediatamente, a apreciação do texto pelos congressistas é pouco mais que mera formalidade.
A manobra, nada sutil, não passou despercebida e produziu focos de conflito, no Legislativo e no Judiciário. No primeiro caso, os créditos empacaram as negociações que correm na Câmara para disciplinar o uso das MPs; no segundo, um julgamento do STF pode impor uma interpretação menos elástica do texto constitucional.
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