Na FOLHA DE S.PAULO:
Brasil e Argentina puseram ontem no papel duas expressões estrategicamente explosivas ao assinarem acordo para "constituir uma empresa binacional de enriquecimento de urânio". "Enriquecimento de urânio" é uma dessas expressões. A outra é "projeto comum na área do ciclo do combustível nuclear".
O acordo é parte de um substancioso pacote de cooperação assinado ontem, na Casa Rosada, a sede do governo argentino, pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Fernández de Kirchner.
"Enriquecimento de urânio" e "ciclo de combustível nuclear" são expressões que os países que já têm armas nucleares costumam associar à bomba atômica.
O chanceler brasileiro Celso Amorim afasta qualquer especulação nesse sentido com argumentos sólidos: primeiro, a Constituição brasileira veda o uso não-pacífico da energia nuclear; segundo, "os países que têm programas militares não fazem programas conjuntos de bomba [atômica]".
O ministro acha que o acordo com a Argentina "será mais uma demonstração de que o uso que ambos os países farão da energia nuclear é pacífico".
O argumento é reforçado por Rodrigo Baena Soares, da embaixada brasileira em Buenos Aires, que lembra o acordo quadripartite firmado em 1991 por Brasil, Argentina, a Agência Internacional de Energia Atômica e pela ABACC (Agência Brasil/Argentina de Controle e Contabilidade de Material Nuclear), que garante o uso pacífico do átomo.
Todos esses fatos podem não impedir desconfianças, de que dá prova a queixa dos Estados Unidos sobre o fato de o Brasil não ter assinado o chamado "Protocolo Adicional" ao TNP (Tratado de não-Proliferação Nuclear). Por esse protocolo, as agências internacionais podem fazer visitas de inspeção sem aviso prévio à instalações nucleares dos países firmantes.
O Brasil alega que as inspeções poderiam expor segredos tecnológicos. Mas os EUA contra-atacaram afirmando que era um péssimo exemplo em um momento em que há pressão dos países ocidentais para inspeções completas no Irã.
O acordo nuclear ontem assinado pelos dois países é ambicioso: prevê o desenvolvimento de "um modelo de reator nuclear de potência que atenda às necessidades dos sistemas elétricos dos dois países e, eventualmente, da região".
Enquadra-se, portanto, na tese de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem: a questão energética regional não pode se limitar à discussão sobre quanto gás a Bolívia pode ou tem que exportar para Brasil e Argentina. Deve ser tratada "estruturalmente", acha o presidente.
Em discurso no Senado argentino, Lula foi mais específico, ao defender uma "estratégia conjunta" dos países sul-americanos que leve em conta o potencial hídrico da região, os biocombustíveis e o potencial nuclear, além do gás, obviamente.
"Temos que construir juntos um projeto sem que cada qual abra mão de sua soberania", disse Lula.
O acordo com a Argentina na área nuclear estabelece prazos curtos: até fim de junho, devem começar as negociações para a constituição da empresa binacional de enriquecimento de urânio.
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