terça-feira, 19 de agosto de 2014
A revolução que congelou o país
Mesmo velho e doente, o mais antigo ditador do mundo escolheu a hora e a forma de deixar o poder. Cuba, uma ilha do tamanho de Santa Catarina, com um PIB menor que o da Bahia e passados 6 anos, quando deixou a chefia do governo mais antigo do mundo (mais de meio século), Fidel Castro, passou o bastão para seu irmão Raúl Castro. À época, sua renúncia abriu um riquíssimo debate sobre o abismo entre os sonhos e a realidade da revolução que derrubou o ditador Fulgêncio Batista em janeiro de 1959. O ato inesperado de Fidel, ao deixar voluntariamente o palco por fraqueza física, deixou no ar uma interrogação principal e abriu um leque de dúvidas: estaríamos diante de uma segunda revolução cubana? Raúl teria autonomia para abrir a economia de Cuba, segundo o modelo adotado pela China, que mantém a censura e o controle político inalterados? E a liberdade de expressão em Cuba? O atraso do país e a decrepitude das regras estariam com os dias contados?
Quanta ilusão. Nos bastidores, Fidel não conseguiu cumprir seu voto de silêncio de dez dias após a renúncia. Diante da onda de especulações sobre uma eventual volta do capitalismo a Cuba, o comunista Fidel, prolixo, barbudo, de carisma irrefutável, um amante de charutos, mulheres e beisebol, escreveu uma alentada mensagem sob o título “Reflexões do companheiro Fidel”. Em sua carta, publicada no diário oficial do Partido Comunista, o Granma - que significa grandmother, ou avó, em inglês –, Fidel esfriou os ânimos dos assanhados por mudanças significativas em curto espaço de tempo.
Mesmo acamado para se recuperar de grave doença intestinal, Fidel não abandona a retórica anti-imperialista do comandante-em-chefe que se apegou ao cerco à ilha quase como se fosse uma medalha de guerra. Fidel pode ter pendurado os coturnos e o boné militares, e relegado ao cabide do armário a farda impecável sem vincos, mas, enquanto não morrer, continuará, mesmo de moletom na cadeira de balanço, cofiando a barba branca e destilando sua ironia contra a potência vizinha. Fidel é duro na queda e tem a cara de pau de falar aos quatro ventos que: “Cuba mudou e seguirá seu rumo dialético”.
A resistência e a inflexibilidade já folclóricas de Fidel não impedem o mundo de discutir o futuro de Cuba, que tem pela frente o desafio de escolher um futuro de reformas ou aferrar-se ao modelo comunista instalado há mais de 50 anos. E nem de receber na bandeja alguns mimos do governo brasileiro. Depois da construção do Porto de Mariel com financiamento do BNDES, o atual governo vai bancar um ambicioso projeto de modernização dos aeroportos de Cuba. Os detalhes do projeto na ilha foram discutidos pela presidente Dilma Rousseff com o empresário Marcelo Odebrecht em recente audiência no Planalto do Planalto. Essa foi a quarta reunião privada da presidente com o empresário este ano. Esses bilhões poderiam ser alocados em nosso país em educação. É bom não esquecer que a educação liberta da prisão da ignorância.
Bom mesmo é saber que Cuba tem gente talentosa como Jorge Perugorría, ator cubano, que completou, 49 anos, na quarta-feira, 13, e atuou em “Navalha na Carne” (1997), de Neville d’Almeida, “Estorvo” (2000), de Rui Guerra, e “Gaigin - ama-me como Sou” (2005), de Tizuka Yamasaki. Faz muito tempo que ganhou as telas do mundo e fez outros filmes importantes. Ele usa o humor e o conhecido jeito dos compatriotas em lidar com as mazelas para fazer um retrato crítico e afetuoso de Cuba.
Bom mesmo é saber que Cuba tem gente talentosa como Leonardo Padura, jornalista, ensaísta e romancista, que escreveu “O homem que amava os cachorros”, um romance histórico, com os olhos críticos, as contradições do socialismo e escreve com rara beleza, a uma tensão permanente em torno dos preparativos para a realização de um crime com repercussão mundial. Ele também olha a realidade cubana com astúcia, mas sabe que nela há o improviso e o riso.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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