Por Raul Velloso, economista
No centro da crise de energia está um forte descompasso entre oferta e demanda, cuja causa básica é a busca desenfreada das menores tarifas imagináveis, entre outros cerceamentos criados pelo governo. No discurso oficial, o vilão é a seca atípica. Esse quadro se repete na área de transportes, em que as deficiências são tão ou mais acentuadas, conforme discuto em dois livros sobre o tema, disponíveis para download em minha página: <raulvelloso.com.br>.
Se o governo está sempre procurando baixar as tarifas a qualquer custo, a demanda tende a aumentar. Na contramão, vários fatores prejudicam a expansão da oferta: leilões pouco atrativos; concessionários oportunistas ou estatais incapazes que atrasam a entrega de usinas ou de linhas de transmissão; seca; planejamento governamental mal coordenado, com projetos de geração que comprometem o crescimento da oferta, tornando-o insuficiente para acompanhar o aumento da demanda; e demora para conceder licenças ambientais para os empreendimentos. Isso tudo faz com que, uma hora, a oferta “normal” fique abaixo da necessária para atender à demanda, mesmo em situações em que o cenário hidrológico é apenas levemente desfavorável, levando a pressões altistas sobre os preços praticados.
Como o sistema brasileiro é fundamentalmente movido a água, torna-se vulnerável ao clima e a pressões do lobby ambiental. Construiu-se, assim, um exército de termelétricas com elevado custo de produção, que deveriam, portanto, ser acionadas só emergencialmente. Até 2012, as usinas térmicas geravam cerca de 10% da oferta total. Desde outubro de 2012, no entanto, sua participação na geração de energia aumentou para algo entre 20% e 30%, sem prazo para retornar ao patamar anterior à crise. Por conta disso, o custo da carga de energia consumida no país deu um salto de R$ 2,3 bilhões por mês, em cálculo simplificado divulgado pelo site Ilumina. Isso implica uma conta gigante que pode chegar a R$ 50 bilhões e que terá de ir para o consumidor, a menos que este receba subsídios públicos. Só que, por enquanto, a conta tem apenas equacionamento parcial.
A pergunta central, então, é: por que, a despeito do acionamento das termelétricas, os reservatórios das hidrelétricas vêm caindo e estão em níveis que se aproximam da experiência de 2001 se a seca não tem sido tão intensa como o governo diz? Em particular, por que não foram leiloadas, para funcionar na base, mais termelétricas movidas a gás ou a bagaço de cana, que apresentam menor custo operacional? Problemas com a Petrobras, má vontade com o setor de açúcar e álcool? Similarmente, por que não foram feitas mais hidrelétricas com reservatórios?
Segundo os dados apresentados pela consultoria PSR à GloboNews em 14 de abril, o problema não está na hidrologia. As razões para o desequilíbrio entre oferta e demanda estão nos vários atrasos de entregas de obras, o que, em boa medida, se deve ao populismo tarifário, e em sérios defeitos no planejamento do sistema, a cargo do governo. A PSR demonstrou que o governo, ao não atualizar parâmetros básicos do modelo de projeção respectivo, vem subestimando de forma relevante a necessidade de oferta adicional.
Na trilha do populismo tarifário, houve ainda a tentativa de reduzir as tarifas em 20%, com base na MP 579/2012, que permitiu a antecipação, em cerca de três anos, do término de contratos de geração, em troca de renovação da concessão. No segmento de geração, praticamente só as empresas estatais federais aderiram à proposta. A adesão teria sido maior se tivesse sido negociada adequadamente e se o momento fosse outro, sem evidências de escassez de oferta. Na época, as geradoras podiam vislumbrar que teriam de adquirir energia térmica bem mais cara, para honrar os contratos que mantinham com as distribuidoras. Por que, então, aderir à MP 579 se o mercado aquecido abria a oportunidade para vender a parcela que estivesse descontratada no mercado livre? Para piorar, confiante no sucesso da MP 579, o governo deixou de realizar o leilão de energia que estava programado na época da edição da MP, que resolveria o problema da descontratação pelo qual as distribuidoras passaram em 2013/14. Ou seja, é má gestão por todos os lados, conjugada com o populismo tarifário.
O governo trabalhou bem em apenas um aspecto: eximir-se de responsabilidade pelos problemas. A ponto de o noticiário cometer o erro sistemático de atribuir as mazelas do processo às distribuidoras e às geradoras. Aquelas somente repassam, para o consumidor final, o custo (às vezes alto) da energia que adquirem. Já o aumento do custo de geração decorre de um planejamento malfeito. Não cabe, portanto, puni-las, inclusive financeiramente, pelo aumento de custos que vem sendo observado. Deixar a bomba explodir em seu colo implica atribuir-lhes um risco que não deveriam assumir. Tal política desestimularia o investimento privado ou exigiria preços mais altos para compensar os riscos, aumentando desnecessariamente os custos da energia elétrica no país.
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