Nesses dois últimos séculos, a beligerância tomou conta do mundo. Para as gerações de hoje, conflito mundial por excelência foi a Segunda Guerra Mundial, com sua luta clara entre o bem e o mal, entre democracia e totalitarismo, com seu padrão de destruição e com o genocídio de judeus e outros povos. Para muitos historiadores, porém, a Segunda Guerra foi uma extensão da Primeira. Mais do que qualquer outro conflito, a Primeira Guerra – ou a Grande Guerra, como foi oficialmente chamada – representou uma ruptura da história. O fim do domínio europeu sobre o mundo e a ascensão da potência americana, o radicalismo islâmico que brotou dos escombros do Império Otomano, o avanço do comunismo e os ferozes embates ideológicos a ele vinculados, o ocaso dos valores vitorianos e a revolução dos costumes – tudo isso aconteceu como consequência da Primeira Guerra.
Os embates foram cruentos, de violências inimagináveis, de muita insanidade e a ferida ainda continua aberta. Nunca antes se matou tanto em confrontos armados, em números absolutos. No total, 15 milhões de pessoas perderam a vida, na maioria soldados. Entre os alemães, 1,8 milhão de militares morreram e 2,7 milhões ficaram inválidos em uma população de quase 70 milhões. No Brasil atual, seria o equivalente a eliminar a população do Estado do Rio de janeiro. Muitas criaturas foram trucidadas prematuramente no espremedor de carne da guerra. Um enorme ferimento que deixou sequelas e moldou o mundo como o conhecemos hoje.
O pêndulo da culpa foi para a Alemanha. A Alemanha já foi a única e solitária culpada pelo conflito, e agora, 100 anos depois, a gênese da tragédia ainda é uma questão que divide as nações. Ninguém queria carregar o fardo da culpa por um desastre que devastara a Europa e ceifara 15 milhões de vidas. Essa catástrofe marcou a ferro e fogo o século XX: forçou os Estados Unidos a assumir sua posição de líder mundial, abriu caminho para a vitória do comunismo na Rússia, desenhou a geopolítica explosiva do atual Oriente Médio e criou as condições para a ascensão de Hitler e seu rastro de calamidades – a Segunda Guerra Mundial e o holocausto.
Antes, o mundo tinha o foco em dois polos. Agora, se constitui uma nova ordem mundial. Hoje, um mundo multipolar será necessariamente um ambiente conflituoso. Enquanto os EUA tentam exercer seu poder de forma mais indireta, as potências regionais buscam firmar sua influência, marcar território, e, em último grau, se unem em estratégias comuns contra o império. Dessa contradição nascem as possibilidades de conflito. Especialistas afirmam que: “O sistema interestatal capitalista se estabiliza por meio de sua própria expansão contínua e, portanto, em última instância, através das guerras”.
Nos últimos anos, os EUA tentam construir uma nova estratégia internacional em todos os grandes “tabuleiros geopolíticos” do sistema mundial. Seu objetivo não é o de abandonar sua vocação e posição imperial, ou seu poder global. É exercê-lo de forma mais indireta por meio da promoção ativa das divisões e dos “equilíbrios do poder” regionais. Mesmo assim, se os EUA tiverem sucesso nesse intento de “terceirização” do poder, isso não impedirá a existência e a multiplicação de guerras e conflitos localizados, a envolvê-los em última instância.
Ademais, no horizonte desse sistema, não há nenhuma possibilidade de estabilidade ou paz perpétua. A expansão do poder dos EUA fortalece as potências que vão lutar pela hegemonia. A tal “Primavera Árabe” foi uma invenção da fantasia cinematográfica dos europeus e americanos. Há uma guerra assimétrica entre Estados e capitais que atuam como grandes predadores na luta pelo controle monopólico de posições de mercado, inovações tecnológicas e lucros extraordinários. Nem a libra nem o dólar se tornaram moedas de referência da noite para o dia. O dólar só ocupou espaço depois da II Guerra. Benjamin Franklin, não perderá valor tão cedo.
SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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