segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Que mentalidade!


Não é nenhuma novidade que os Estados Unidos sempre foram vistos como um novo Eldorado - região generosa em felicidade e riquezas. Essa identificação deu origem, ao longo dos séculos, a importantes movimentos migratórios. Em 1620, algumas famílias deixaram a Inglaterra a bordo de um barco denominado Mayflower e buscaram do outro lado do Atlântico não uma Terra Santa já edificada, mas uma nova Terra Prometida, a ser santificada à custa de suor e devoção. Essas famílias, provenientes da pequena burguesia, pequenos proprietários rurais e camponeses seguiam as doutrinas de Calvino, nas quais a religiosidade se mescla ao trabalho honesto, à poupança e a busca do lucro.
À época, a mentalidade dos adeptos dessas crenças conhecidos como puritanos, sonhavam encontrar na América uma terra de asilo na qual pudessem praticar sua religião livremente, sem a interferência do poder público. No mesmo ano, os puritanos fundaram na costa do atual Estado de Massachusetts o núcleo de Plymouth, iniciando a colonização do trecho dos EUA denominado de Nova Inglaterra. Hoje, os participantes dessa primeira onda migratória, associada a questões religiosas, são conhecidos como Pilgrim Fathers, pais peregrinos. Os pais de uma nação.
Ao contrário dos núcleos da Nova Inglaterra, as colônias meridionais - Virgínia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia - ofereceram amplas possibilidades para a economia de exportação nos moldes mercantilistas. Mas os latifundiários logo passaram a dar preferência ao trabalho dos escravos africanos. À medida que o escravismo passava a dominar nas relações de produção, os EUA mais dependiam desse tipo de mão de obra.
A mentalidade americana percebeu que a presença do escravo africano mostrou-se indispensável para o desenvolvimento de uma sociedade marcada por forte desigualdade social. Os ricos fazendeiros construíram palacetes e tinham consciência de suas responsabilidades cívicas. A maioria era de anglicanos, mas também havia católicos. Paralelamente, os lavradores, pequenos proprietários lutavam para manter a autonomia econômica na terra da plantação e da escravidão. Alexis de Tocqueville (1805-1859), jurista e pensador francês, afirmou que o puritanismo era uma teoria política quase tanto quanto uma doutrina religiosa. Por isso, o primeiro cuidado dos puritanos, ao desembarcar na América, foi estabelecer uma sociedade politicamente organizada.
Repito, agora, que mentalidade... De que não se pode duvidar que, em pleno século 21, um afrodescendente na Casa Branca venha incomodando a face da direita nos EUA que é extravagante, pelo menos aquela que os americanos estão acostumados a ver na mídia ultimamente. Está representada por gente como Sarah Palin, a ex-candidata à vice-presidente pelo Partido Republicano, e Glenn Beck, o radialista e apresentador de tevê que atribui influências maléficas ao presidente Barack Obama por sua administração, digamos assim, "socialista". Dia desses, foram as estrelas de um ato em Washington para "restaurar a honra" dos EUA, a dois meses das eleições legislativas nacionais.
Sim, sim, que mentalidade... Agora, surge uma zona de desencontro muito mais vasta do que parece, a qual se alastra e se torna cada vez mais evidente. O magnata David Koch é a face discreta e poderosa por trás do Tea Party (Festa do Chá), o estridente movimento da direita americana contra o presidente Obama. Koch vê o Estado como uma ameaça à economia, mas que também é acusado de defender uma supremacia branca. A vitória de Obama ainda não foi assimilada, digamos, pelos "conservadores americanos".
Que mentalidade... O empresário americano sempre foi um radical defensor da não intervenção estatal na economia e da redução de impostos ao mínimo possível, uma herança do pai, Frederick, fundador da Koch Industries. Fred era um anticomunista paranóico, mesmo ironicamente tendo enriquecido ao construir 15 usinas termoelétricas para o ditador Josef Stalin.
Há qualquer coisa no ar. Qualquer semelhança com o Tea Party pode não ser coincidência.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@mail.com

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