sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O papel da Igreja nas eleições


O Brasil é um país laico, como todo sabemos. Por essa condição, não há formalmente um vínculo direto entre igrejas e Estado. Não há controle deste sobre o clero, como acontece, por exemplo, na China, que chega a ordenar pastores. Tampouco, cabe à Igreja - reunindo aqui todos os segmentos - imiscuir-se em questões político-partidárias, declarando apoio oficial a este ou àquele candidato. Quando age desta forma, produz um efeito perverso, contribuindo para fortalecer um Estado confesso, o que tanto combate.
A Igreja deve resistir à tentação de apoiar este ou aquele candidato. E isso por muitas razões.
A primeira razão diz respeito à preservação das liberdades individuais. Cada um, por si próprio, deve exercer o direito de voto. Isso não pode ser uma escolha coletiva. Primeiro, deve passar pelo crivo investigativo de cada frequentador de templos. Trata-se da noção básica do respeito ao próximo, enquanto mandamento bíblico. Amar o seu irmão como a si mesmo, neste aspecto, equivale a não tolerar que outrem, por mais iluminado que pareça, decida nossos atos privativos.
Ninguém vai à igreja para ouvir sobre política. Todos vamos por questões que dizem respeito ao Evangelho. Logo, aproveitar a liturgia para tratar desse assunto implica não tratar os congregados com o devido respeito. Implica tirar proveito de um momento sagrado. Roubar a Deus. Princípio básico da democracia é reunir com propósito deliberado. É convocar assembléias e anunciar a pauta. É mover as pessoas de modo consciente.
Uma segunda razão está relacionada ao efeito desagregador de referida postura eclesiástica. Política separa as pessoas, divide opiniões. Um candidato poderá ter todas as virtudes, mesmo assim não terá a unanimidade do povo. Naturalmente, separar e provocar discussões de preferências no templo não é o alvo do Evangelho. Muito pelo contrário: o Evangelho só permanece há dois milênios sobre a Terra porque sua mensagem é apartidária e sem acepção de pessoas. Sua natureza é coesiva, capaz de reunir em torno de Cristo tribos, povos e raças.
O terceiro motivo volta-se para o verdadeiro papel da Igreja. Ela existe para cuidar de assuntos relacionados à salvação da alma. Podem dar ao Evangelho a roupagem que quiserem. Podem dizer que Cristo veio ao mundo trazer prosperidade, formar impérios e ensinar ativismo social. E Ele desmente tudo isso com sua própria vida, pois foi pobre, viveu à margem dos impérios e não se imiscuiu na vida política de sua nação, embora oprimida pelos romanos. Esse deve ser o foco da Igreja: pregar o Evangelho, repassar os ensinamentos de Jesus. Qualquer outro prisma será um desvio de alvo.
Não obstante, temos de reconhecer que todas as pessoas têm direito de votar e receber votos. Isso vale para membros e frequentadores das igrejas. Nada contra. Agora, a condição religiosa não pode ser pré-requisito para discurso político. Pelo contrário. Se alguém é "pastor", isso é completamente avesso à vida pública. Ser "pastor" implica estarmos diante de uma pessoa que tem como função o ofício religioso. A menos que concorra para o cargo de capelão das casas legislativas, o que não existe. O mais é oportunismo. É tirar proveito da condição pública que o cargo lhe oferece perante o rebanho. A primeira coisa que digo a candidatos-pastores é: meu irmão, se você é pastor, então vá cuidar de sua igreja! Quer ser deputado ou senador? Então ingresse num curso de Direito e estude o processo legislativo.
Olhando diretamente para candidatos evangélicos, sinto arrepios pela história que alguns têm escrito. Aquele velho discurso protestante - de que precisamos de representantes para evitar até fechamento das igrejas - sabemos agora que é estória da Carochinha. Infelizmente, alguns desses "irmãos" são e foram manchetes de jornais, envolvidos em casos de corrupção capazes de fazer inveja aos que reputamos "ímpios" e "descrentes". No meu caso, sempre votarei fundamentado em duas coisas: alguma noção de caráter do candidato e seu compromisso com a sociedade. Entre um ateu com essas qualidades e um falso cristão, voto no ateu. Votaria em Niemeyer.
Quando a Igreja se envolve com política partidária pisa um mar de lama. A qualquer momento pode afundar. Se o político que apoiou corromper-se, a instituição vai a reboque. A sociedade dirá: olha só aquele candidato dos crentes! Vejam o candidato apoiado pelo padre!
Não é papel da Igreja apoiar este ou aquele candidato. Muito menos, utilizar o espaço dos templos para pedir votos. Seu papel é continuar sendo sal da terra e luz do mundo. Sal, para salgar um país que apodrece na corrupção. Luz, para afugentar as trevas do autoritarismo e da falta de cidadania.
Não é verdade que a Igreja precisa do poder temporal para existir e prevalecer. Para continuar existindo, só precisa mesmo ser Igreja.

-------------------------------------------

RUI RAIOL é escritor (www.ruiraiol.com.br)

Nenhum comentário: