segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Longe do paraíso


Apesar dos avanços recentes, a polícia brasileira continua uma das mais violentas do mundo. Claro, menos sangue na guerra. A duras penas o País conseguiu reduzir o número de homicídios, à exceção de alguns Estados. Mas ainda vivemos em um campo de batalha. A sensação é de que o Brasil vive de surtos. Não apenas na área de doenças do passado - dengue, hanseníase, tuberculose, cólera e leishmaniose. Os surtos nacionais se dão também na área das atitudes e dos comportamentos daqueles que nos deviam dar segurança e proteção, a polícia.
Na virada dos anos 90 para o ano 2000, o País parecia derivar para o descontrole absoluto da violência, com indicadores de homicídios maiores que países em conflitos. Os jovens negros com até 25 anos das periferias metropolitanas surgiam então com destaque nas estatísticas oficiais. Entre 15 e 24 anos, a média de vítimas de homicídio era de 96,8 por 100 mil habitantes em 2007, ano com indicadores oficiais mais recentes. Nas Alagoas, Pernambuco e Espírito Santo, o índice ultrapassava assustadores 200 casos por 100 mil. Na média geral, eram 25,2 assassinatos. Quando se imagina que a velha luta teve um período de acalmia e passou a dormir no baú das antiguidades, eis que ela ameaça tomar assento na arena dos conflitos cotidianos, por conta de figuras que ainda vivem nos tempos de guerra.
De pouco adianta, hoje, referir-se a um passado de incompetência, de negligências e de outros vocábulos substantivados ou adjetivados. Afinal de contas, com "presente ou passado" comprometido e fracassado, milhões de adolescentes estão fora da sala de aula pelos mesmos motivos rotineiros que não parecem incomodar os poderes constitucionais e que, sem ações preventivas, só se mexem impulsionados por, digamos, escândalos públicos.
Violência dentro e fora do prédio escolar, gravidez precoce de adolescentes, fugas e desistências, opção pelo crime organizado, apoio financeiro à família e falta de perspectiva de vida, são, entre muitos, as agressões feitas a uma população jovem que marcará ou não a qualidade dos cidadãos brasileiros.
As causas sociais e econômicas se multiplicam. As políticas não correspondem aos interesses das populações. As escolas sobrevivem sem respostas à sociedade e os efeitos estão disseminados pelas práticas de sequestros, de agressões físicas a cidadãos indefesos, de furtos de dia e de noite, de estupros constatados pela promiscuidade de cadeias e prisões superlotadas, sem que as soluções possam acontecer, se os órgãos de segurança estivessem equipados para trabalhar em função do público.
Dois fatos relativamente novos, contudo, permitem alguma dose de otimismo. Por um lado, Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e, mais recentemente, Pernambuco e Sergipe demonstram ter reencontrado a trilha para enfrentar o problema, como indica a queda consistente das taxas de criminalidade nessas regiões. Por outro, os efeitos cumulativos do Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003, e as novas práticas de gestão da segurança pública, com maior integração entre as esferas municipais, estaduais e federal, levam alguns especialistas a apostar na manutenção da tendência.
Esses perfis nada animadores, com as cadeias superlotadas desencorajam. Qual a saída? No Rio de Janeiro, com o surgimento das Unidades Policiais Pacificadoras, as UPPs, viraram um exemplo internacional, na medida em que consegue aos poucos mudar a forma como a polícia se faz presente.
Sob essa tessitura se desenrola o pacote de dissonâncias para estruturar a segurança pública. A idéia de polícias comunitárias vai na direção correta. Mas ainda estamos longe do paraíso.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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