quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Para não esquecer

No blog Na Rede, da jornalista Ana Diniz.

Esta semana mergulhei em Varsóvia.
Eu não gosto de romances nem de filmes de guerra. Tanto nos romances como nos filmes, ela é maquiada. Mas eu leio documentários e vejo documentários. Tento entender como e porque acontece. O que leva as pessoas para a trilha da morte. Ainda acredito que este é um dos capítulos trancados do conhecimento, das coisas que não se sabe sobre a espécie humana.
Mas eu mergulhei em Varsóvia porque a luta polonesa na segunda guerra mundial foi algo de patético. Uma das fotos mais emblemáticas desta luta foi feita por Raymond Cartier, no seu antológico “II Guerra Mundial”: uma carga da cavalaria polonesa contra os tanques alemães. Sabres contra metralhadoras. Uma desesperada coragem, sem nenhuma chance ou alternativa.
O livro é “O Zoológico de Varsóvia”, de Diane Ackerman, e é uma história da resistência polonesa e da salvação dos judeus perseguidos.
Eu li, também, porque é preciso não esquecer até onde pode nos levar o cientificismo. Nesta época de sacralização da ciência, é preciso ter em mente que as muitas vertentes podem ser erradas, podem ser perigosas, podem nos arrastar para o excesso, para a tristeza – e, no rastro dela, à crueldade, como escreveu Drummond.
Há cerca de um mês, eu mergulhei no Gulag. Eu li Soljenitsin assim que saiu a tradução brasileira, ainda na guerra fria. Desta vez, fui pela internet, a partir dos discursos de Putín e Medvedev sobre o assunto – este último disse ser necessário ter o Gulag na memória russa, com todos os seus horrores, para que o país possa resolvê-lo. Eu queria saber como anda essa revisão. Encontrei museus, associações, páginas de depoimentos, a maioria delas ainda não traduzida.
O genocídio é semelhante, as técnicas são diferentes. O extermínio na Polônia durou quatro anos; na URSS, mais de vinte. A morte na tundra siberiana vinha por meio das doenças provocadas pela exaustão nos trabalhos forçados, fome e frio. Era lento e longo; a crueldade cotidiana, levando o horror contínuo para as vítimas, tinha formas diferentes, mas era, essencialmente, a mesma.
Os rasgos de heroísmo – aqueles gestos redentores, que nos devolvem esperanças – também são semelhantes. Em Varsóvia, alta adrenalina. No Gulag, paciência e piedade. Nos dois casos, o passado volta na forma de documentos abandonados, escritos, diários, jornais de resistência.
Eu estou tocando neste assunto, hoje, por causa da visita do presidente do Irã, e do discurso oficial da tolerância para com um homem que nega ter havido um extermínio judeu. Vejam bem: a questão não é com o presidente do Irã. É com Ahmadinejad, mesmo. Khomehini, o aiatolá-símbolo da revolução iraniana nunca chegou a esse ponto, apesar de sacerdote fundamentalista radical e de seu ódio a Israel.
Eu me pergunto até onde a tolerância com Hitler e Stálin responde por Varsóvia e pelo Gulag. E até onde irá o governo brasileiro nesta “ambição de se tornar ator importante no palco diplomático global”, como expressou o NY Times. E fico triste ao ver, nas enquetes feitas pela internet, que a grande maioria dos brasileiros acha que o Brasil não tem nada a perder proporcionando um palanque para Ahmadinejad.

Um comentário:

Itajaí disse...

Se tiver interesse veja em dvd Katyn. Lá você verá até onde a dupla Hitler-Stalin chegou na Polônia. Quanto ao iraniano Ahmadinejad, para mim, ele é exatamente o que demonstra: um genocida em potencial.
Entretanto, o Brasil não pode ignorar o Irã, como não ignorou o Iraque, quando Sadam Husseim ali mandava. Relações comerciais são uma coisa, outra coisa é dar apoio político as ações imorais ou criminosas que esses dirigentes promovem. Quanto a essas últimas, o governo brasileiro já demarcou muito bem o limite.