sábado, 13 de dezembro de 2008

"Não queremos notas de solidariedade, queremos ação"

Do leitor do blog e advogado Luiz Neto (OAB/PA 3943), sobre a postagem “Sobra-nos a sensação de desamparo. Abandono. Solitude.”:

Sinceramente, não sei o que me assalta a mente (literalmente) com o assassínio do dr. Salvador. Ou melhor, com a terrível violência da qual somos, ao mesmo tempo e na minha singela opinião, algozes e vítimas (ou vice-versa).
Digo isso porque sei, como advogado, que a segurança pública é dever do Estado (art. 144, CF/88) e este, em todas as esferas, tem sido extremamente omisso, negligente, no trato de tão importante questão. Mas, como cidadão, também sei que a situação não terá jeito se as práticas – cotidianas – de desobediência às regras mínimas de urbanidade, civilidade e educação não sejam por nós revistas.
Logicamente, que o Estado – lato sensu – tem o dever de fazer a sua parte. Não é crível que a Polícia – tanto civil quanto a militar – não consiga perceber quem são esses criminosos, de onde eles vêm, quais sãos os seus surrados métodos, suas formas de abordagem. Nós mesmos, cidadãos, já percebemos: bicicletas na contramão, motos com dois ocupantes, em regra (deve haver exceções), são pilotadas por meliantes, como os que mataram o Salvador e vários outros.
Não é concebível que ambas não consigam fazer um policiamento preventivo e, também, ostensivo, de forma a impedir que nós, cidadãos de bem (sim, os bandidos também são cidadãos), nos sintamos o minimamente seguros aos sairmos de casa, do trabalho, do hospital, da escola do filho, das celebrações religiosas etc. E haja gasto com segurança, haja cursos de aperfeiçoamento, haja gasto com cadeias improdutivas (universidades do crime), onde nós, cidadãos do bem, pagamos uma fortuna para manter dos delinqüentes atrás das grades, sem nada produzir para pagar a sua hospedagem, a sua alimentação etc.
Haja nós, também, cidadãos do bem, que ora nos indignamos, a colocarmos a culpa somente no governo, seja ele petista, tucano, peemedebista, petebista e outros pês dos partidos da vida.
Mas somos nós, para dar exemplos triviais, que:
Estacionamos em filas duplas, triplas, local proibido, etc. (sempre com o pisca-alerta ligado, é claro);
Colocamos o ‘som’ nas alturas sem nos importarmos com o respeito ao sossego dos vizinhos, seja de residência, seja de praia;
Furamos as filas da vida, seja em repartições, bancos, trânsito etc;
Jogamos lixo e mais lixo nas ruas, nas calçadas, nos canais, mesmo sabendo que no inverno tudo se alagará também por causa disto;
Construímos/desconstruímos sem nos importarmos com as normas de segurança, com barulhentos bate-estacas, furando ruas recém-asfaltadas etc;
No trânsito, buzinamos loucamente, impedimos ultrapassagens, mudanças de faixa de circulação, mesmo que haja a devida sinalização do outro veículo para tanto. E haja morte;
Em nossos protestos, fechamos vias públicas, impedindo o justo trânsito dos outros cidadãos. E haja violência;
Nossos jornais estampam mais e mais mulheres peladas, desnudas, seminuas, cadáveres expostos e tudo é possível em nome da liberdade de Imprensa, de comunicação. Aqui não há limites;
Nossa internet nos facilita tudo, sites com oferecimento de garotas de programa; sites de pedofilia; de vídeos sexuais bizarros e esquisitos, mas, pela plena liberdade, tudo é possível;
Reverenciamos, em nome da sobrevivência, camelôs irregulares, que vendem contrabando dos chineses e de outros, que, aliás, estão dominando a paisagem do nosso outrora centro comercial;
Reverenciamos os transportes alternativos, irregulares, ilegais, sem qualquer segurança e/ou seguro, em nome também da sobrevivência;
Enfim, sempre procuramos um jeitinho de nos sairmos bem em tudo, sem nos importarmos com as regras, com as normas, sejam elas morais, sejam elas jurídicas. É a chamada razão cínica que já dominou tudo, como dizia a letra de uma música funk;
Eu medito sobre isto, na horrenda omissão estatal, na nossa forma de viver, em como o crime (cada vez mais organizado) nos assalta a todos, em todos os sentidos. Sinceramente, jamais pensei ter pensamentos tão conservadores na vida. Peço até desculpa se, por eles, ofendi alguém. Aliás, não sei se é pensamento ou desabafo. Mas o certo é que não pode, não deve, continuar do jeito que está. Não queremos notas de solidariedade, queremos ação:
Que o Estado cumpra o seu papel, que se restaure o império da lei (ou da moralidade, como diria o Sérgio Porto), que todos sintamos que há limites para os nossos atos em todos os sentidos possíveis.
Queremos que todos os que lutamos pelos direitos humanos percebamos que a questão é mais ampla e complexa possível, devendo haver uma guinada no posicionamento de tais instituições e também nossa, como cidadãos.
Quando o crime nos assalta, ele vem e mata os cidadãos. Quando nós, cidadãos, fugimos às nossas responsabilidades e regras do dia-a-dia, matamos a cidadania. E é daqui que começa a selvageria, o estado de medo e de terror que tanto sofrimento nos causa. A Lei da Sobrevivência se transformou na Lei da Selva.
Encerro com a poesia abaixo, de Maiakovsky:

“Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada.”

É isto...! Desculpem o desabafo.

4 comentários:

Val-André Mutran  disse...

Subscrevo suas palavras Luiz Neto.
Trabalho feito louco em busca de mudanças.
Alucinadamente e silenciosamente.
Esse império infernal não passará.

Anônimo disse...

Amigo, use sua OAB e acione o Estado Judicialmente, sobretudo sua Gestora Mor .
O Dr Salvador trabalhava com amor e dedicação. Homem bom , caridoso, não merecia um final desamparado dessa forma .

Carlos Barretto  disse...

Excelente e lúcido texto. Mal passadas as primeiras 24 h do choque, começam a surgir reações menos emocionais e algo mais racionais.
Estas últimas é que devemos amadurecer para organizar uma reação na sociedade civil, de maneira a cobrar daqueles que nos cobram o cobres, nossos direitos e nossa cidadania, solapada paulatinamente pelo crime organizado, no vácuo deixado pela inoperância estatal ao longo dos tempos. Nada começou exatamente agora. Mas vem sendo construído milimétricamente.
Mas do que um desabafo, Luís, vc mostra de fato a experiência que tem no assunto.
Abs

Anônimo disse...

Luiz, seu desabafo é o de muitos cidadãos também. Não basta apenas cobrarmos de A, B ou C. É necessário fazermos nossa pequena e importante parte em nossa convivência social.