Por Carlos Bordalo (disponível em seu blog)
O crime de pedofilia é dos mais hediondos cometidos contra dignidade e a vida da pessoa. Ele interrompe o desenvolvimento humano com a marca de um trauma que, confessado à sociedade, o reduz a uma vítima para sempre, portador de uma chaga física, moral e psicológica indelével. Mesmo que condenado, o crime deixa o indivíduo acometido por essa violência sempre como aquele que aspirou, mas não conquistou a dignidade. A pedofilia, por isso, é o roubo da personalidade em desenvolvimento e, conseqüentemente, "mata" porque condena à mesma sombra a vítima e o molestador. A pedofilia possui também a dimensão de crime contra a humanidade, na medida em que, simbolicamente, violenta a criança, o arquétipo da gênese do ser humano, aquilo pelo qual tiveram que ser os chefes de Estado, chanceleres, juízes, mega-milionários, médicos, antes de serem o que são. Para os mais crentes, o nascimento de crianças representa a esperança divina na humanidade. Pois que a pedofilia é o atentado a essa esperança.
Fruto podre dos escaninhos mais sombrios da psicologia individual, ela encontra sua versão de mercado na exploração sexual infanto-juvenil. Exploração, porque crianças e adolescentes não se prostituem voluntariamente. Há dois séculos, dois alemães disseram que o lado positivo do advento do capitalismo era justamente esse “efeito Midas” do capital, de converter tudo que toca em mercadoria. Pois que quase um século depois, um sábio russo constatou que a tomada do mundo pelo capitalismo significava não apenas a moderna produção, tecnologia informacional, liberdade artística e profissional, mas se imbricava, tornando mercadoria, também os aspectos mais atrasados das sociedades tornadas capitalistas, juntando progresso e atraso literalmente na "mesma moeda". Não é à toa que as redes de tráfico internacional de mulheres, de prostituição, de escravidão sexual apontam do Sul para o Norte.
É disso que se trata o conteúdo das denúncias do bispo do Marajó, Luis Azcona. Na dimensão individual, somos apresentados a uma sorte de gente que encontra realização sexual em meninas de 9, 12, 13, 14 anos. Uma escabrosidade. Na dimensão social, nos deparamos com médicos, autoridades públicas, empresários que enriquecem através deste “assassinato”, lucrando com a sombra a que condenam essas crianças, portadores do dinheiro dos sombrios escaninhos da psicologia humana. Pessoas com status social, bom nível de vida, acesso à educação formal. Pessoas que refletem o desenvolvimento desigual e combinado também da moral moderna que, infelizmente, mercantilizada, não forma apenas PHDs e prêmios Nobel pelo que possibilita em termos de desenvolvimento humano. Forma também, paradoxalmente, “doutores” que gostam de abusar de crianças.
Somos obrigados a pensar em nossos filhos, netos, sobrinhos não apenas na perspectiva que gostaríamos, mas nesta que se impõe a essas pobres meninas. Crianças traficadas, pagas com óleo diesel que abastecem balsas muitas vezes pilotadas por seus pais, pratos de comida. Crianças virgens leiloadas para abusadores que, além do crime que cometem, revelam o erotismo bizzarro baseado na mais vil mentalidade que escalona mulheres por uma pele – o hímem - que remonta aos primórdios da evolução humana.
Para investigar essas denúncias, após uma incansável luta que durou anos, a Assembléia Legislativa instalou a CPI da Exploração Infanto-Juvenil na Casa que, ironia do destino, está sendo pautada por outras denúncias que chegam à opinião pública através dos Conselhos Tutelares, Conselhos dos Direitos das Mulheres, Conselhos de Defesa da Criança e do Adolescente, envolvendo um deputado da Casa. Afora a repulsa que dá ler o depoimento da menor envolvida, ler as peças processuais, os grandes homens públicos, que jamais tomariam parte deste escárnio contra a vida de menores indefesos pela idade e pela economia que não cansou de produzir pobreza nas últimas décadas em que o Pará foi governado por agentes das elites que tornaram o Estado um escritório administrador de seus negócios, precisam conciliar a indignação ante as acusações e a defesa do Estado Democrático, que deveria proteger a menor que denunciou o caso.
Esses homens públicos já tomaram uma decisão: rechaçando os ritos sumários que nos igualaria em tirania ao que corre em segredo de justiça, ainda que resguardada a presunção de inocência, não haverá encobertamentos. Para defender com coerência as garantias constitucionais de todos os envolvidos, a Assembléia Legislativa precisa muito mais que a formalidade das sessões públicas da CPI. Precisa convocar a sociedade a participar, dizer o que sabe, o que viu, apresentar caminhos. É fundamental que o conhecimento técnico somado à histórica militância na defesa da dignidade da pessoa humana, seja quem for esta, sirva aos trabalhos da CPI, que quem precise se defender o faça de peito aberto perante os que delegam representação aos parlamentares: esta mesma sociedade. Por isso, nosso mandato requereu que a Dra. Vera Tavares, ex-presidente da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos e ex-Secretária de Segurança Pública do Estado, assessore a CPI, que o bispo Azcona seja ouvido juntamente com o Deputado Luis Afonso Sefer, recentemente denunciado pelo Ministério Público por supostamente molestar uma criança de nove anos de idade.
Por isso, estimularemos, a exemplo do Conselho Tutelar de Belém, que as entidades envolvidas com a temática peçam para acompanhar os trabalhos da CPI, credenciando-se junto à presidência desta. Não abriremos mão de expor ao mais amplo público, respeitando os procedimentos devidos e o bom senso, tudo o que for objeto da investigação da CPI da Exploração Sexual Infanto-Juvenil, para que eliminemos essa chaga que abala os paraenses e para que protejamos a inocência de todos os inocentes, definitivamente, no Pará. Não abriremos mão do compromisso com o novo desenvolvimento do estado, onde nosso povo desfrute do que tem de bom no mundo e elimine para sempre as causas econômicas e as conseqüências psicológicas e sociais do que anos de prioridades invertidas para os ricos e poderosos nos fizeram amargar.
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