domingo, 23 de março de 2008

Cenas de verão



Qualquer coisa hoje em dia fica velha em questão de horas, ou mesmo minutos, especialmente as notícias e as breves discussões que elas motivam, logo antes de serem substituídas pela novidade. A sensação é a de que todos os assuntos já foram esgotados. E por aí vai; nós, aprendizes da mídia, não desistimos. Por exemplo: é difícil descrever por que o presidente Lula vive irritado e impaciente, tendo popularidade em alta mesmo que seu governo subsista a tantos escândalos. Muitos colegas com quem converso deram os mais variados palpites, achando que o presidente da República despencaria. Engraçado é que eu costumo acertar nos meus palpites, mas eles nunca se lembram disso, e o homem está de bem com o povão, haja vista a última pesquisa.
Enquanto isso, Lula, permanentemente no palanque, se dá ao desplante de distorcer e menosprezar tudo o que foi feito pelos seus antecessores. Dia desses, declarou: "Quando assumi, alguns falaram: coitado do Lula, o Brasil está quebrado". Na terça-feira (11), de tarde, o presidente Luiz Inácio Da Silva fez um discurso no interior do Tocantins, mostrando os dentes à oposição. Agressivo, falando do palanque a um público formado em sua maioria por trabalhadores rurais, acusou seus adversários de tentarem impedi-lo de governar por estarem obcecados em impor a ele uma derrota em 2010.
O presidente tem receios de que a votação do orçamento prejudique as obras do Programa de aceleração do Crescimento (PAC). Agora, através da visão e da sua generosidade, o Brasil deu um passo muito à frente até do BBB. Não disse ele que dona Dilma Rousseff é a mãe do PAC? O PAC não é o nascimento de um novo Brasil, para o povo e não para a Zelite? Então, além do Big Father, temos a nossa Big Mother. Perfeito, e apresentou a fatura em reunião com seu conselho político na terça-feira (11). Foi o retrato do que é a relação de compra e venda entre Executivo e Legislativo. Lula não negocia votações com sua base, não argumenta. Simplesmente manda que os parlamentares votem ou que se retirem "do governo". Ou seja: está pagando e quer levar.
Nosso Guia ensejou um fato político inédito nesse ambiente de Executivo imperativo e Legislativo submisso. E fez o de sempre. Simplificou as coisas, transferindo a responsabilidade do atraso na aprovação do orçamento ao Congresso, e ainda a regulamentar frase de efeito: "Não posso acreditar que só eu queira trabalhar e eles não". O inusitado deu-se na reação dos presidentes do Senado, Garibaldi Alves, e da Câmara, Arlindo Chinaglia. Ambos identificaram e repeliram a tentativa do Nosso Guia de faturar politicamente em cima do Legislativo, que fornece milhões de razões para ser o suspeito de sempre, mas, desta vez, não é o único culpado.
Os parlamentares, por sua vez, também não discutem o conteúdo dos temas em questão. Ou se calam, ou murmuram lamentações pedindo mais. O proveito acima de tudo, o interesse e o oportunismo sempre permearam a convivência entre o Congresso e a Presidência da República. Mas, nunca antes neste País o presidente em pessoa tratou das coisas nesse patamar.
Ainda respinga a história de que o Supremo Tribunal Federal meteu o nariz na questão das células-tronco. O ministro Mello, no episódio em questão, acabou saindo com a razão que não tinha. Parece que Marco Aurélio contou com a ajuda providencial do presidente Lula nessas horas: ele passa a operar no seu modo extremo e, aí, fica na posição de agressor. O que se pode perceber, mais uma vez, é que o presidente da República tem tendência a ficar agitado sempre que o Judiciário, o Legislativo, a Imprensa ou seja lá quem o incomode não se comporta como o PT. Onde determina e todo mundo obedece. Mas o resto do País não tem nada a ver com isso; ninguém é obrigado a se comportar como o presidente acha que deve. Chega de querela.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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