Está certo que os 392 anos de Belém foram comemorados ontem e tiveram aqui no Espaço Aberto uma referência até certo ponto enternecida. É de justiça, no entanto, não virar as costas para realidades como a que se mostra aí em cima, na charge de J. Bosco, nesta carta publicada na edição de ontem, de O LIBERAL, e é assinada por Paulo Nunes, que se identifica como poeta e morador do bairro do Reduto.
Com a palavra, o Paulo.
Com a palavra, o Paulo.
Belém, 392 anos
O exílio nos impõe sentimentos inimagináveis. Meu retorno a Belém me fez ver coisas que tinha dificuldades de enxergar quando vivia aqui e somente me afastava de nossa cidade devido às ligeiras ausências.
Uma das verdades que me fizeram me confrontar com a mágoa é perceber que Belém não se ama a si. É isso, amor aqui somente se declara na semana do natalício da cidade.
Durante a semana de janeiro que comporta o aniversário de Belém, vemos os corações derramarem belenenses juras de amor. Mas, na prática, gestos concretos transformam-se em ficção. Um exemplo? Quando retornei de minha estada de quase quatro anos em Belo Horizonte, pensei que o garis estavam de greve. O pior: há dois anos que aqui voltei a morar, os lixeiros parecem "continuar em greve".
Em verdade vos digo (e me dói muito dizer), nunca vi uma cidade tão poluída quanto Belém: pichações, barulho, ar comprometido, som alto, lixões a céu aberto, em todas as esquinas, nos subúrbios ou na área central.
Convivemos com tudo isso com uma quase total indiferença. Habituamo-nos com o ruim, do mesmo modo como nos curvamos para pegar uma manga que raspou nossa cabeça e foi ao chão. Infelizmente, não sinto por parte do Poder Público nenhuma séria intenção de fazer um pacto com os concidadãos para buscar caminhos outros que nos façam traçar uma feliz cidade. Ao contrário, os que (e aqui não desconheço alguns abnegados) se arvoram a propor práticas diferentes se esvaem se desgastam, se desiludem.
Sofremos de um desamor pela "nossa grande casa", que não é improvável se perceber aí um antigesto simbólico. Estamos doentes. Precisamos fazer uma terapia de grupo, terapia que alcance cerca de 2 milhões de pessoas. Cada bairro, invasão, beco, vila, passagem, avenida precisa de um prefeito. Não, nada que onere nossos bolsos. Que cada prefeito seja um guarda diuturno de Belém. Ou melhor seria cada prefeito se transformar num psicanalista. Daí é que eu, sem competência para prefeiturar, uma vez que psicanalisar não sei, fiz um poeminha que se segue nestes 392 anos de minha cidade:
Maria remelenta / de unhas-calçadas encravadas / "boca de índia que comeu cristão" / Sujismundinha que te ailóvio / mariaminoácida que se me goteja / de chuvinhas-fêmina / Tão feinha és e por isso. / Das garatujas nos postes e paredes / Belém belém tô chegando: agora, mas não saí. / Ou o sim.
Uma das verdades que me fizeram me confrontar com a mágoa é perceber que Belém não se ama a si. É isso, amor aqui somente se declara na semana do natalício da cidade.
Durante a semana de janeiro que comporta o aniversário de Belém, vemos os corações derramarem belenenses juras de amor. Mas, na prática, gestos concretos transformam-se em ficção. Um exemplo? Quando retornei de minha estada de quase quatro anos em Belo Horizonte, pensei que o garis estavam de greve. O pior: há dois anos que aqui voltei a morar, os lixeiros parecem "continuar em greve".
Em verdade vos digo (e me dói muito dizer), nunca vi uma cidade tão poluída quanto Belém: pichações, barulho, ar comprometido, som alto, lixões a céu aberto, em todas as esquinas, nos subúrbios ou na área central.
Convivemos com tudo isso com uma quase total indiferença. Habituamo-nos com o ruim, do mesmo modo como nos curvamos para pegar uma manga que raspou nossa cabeça e foi ao chão. Infelizmente, não sinto por parte do Poder Público nenhuma séria intenção de fazer um pacto com os concidadãos para buscar caminhos outros que nos façam traçar uma feliz cidade. Ao contrário, os que (e aqui não desconheço alguns abnegados) se arvoram a propor práticas diferentes se esvaem se desgastam, se desiludem.
Sofremos de um desamor pela "nossa grande casa", que não é improvável se perceber aí um antigesto simbólico. Estamos doentes. Precisamos fazer uma terapia de grupo, terapia que alcance cerca de 2 milhões de pessoas. Cada bairro, invasão, beco, vila, passagem, avenida precisa de um prefeito. Não, nada que onere nossos bolsos. Que cada prefeito seja um guarda diuturno de Belém. Ou melhor seria cada prefeito se transformar num psicanalista. Daí é que eu, sem competência para prefeiturar, uma vez que psicanalisar não sei, fiz um poeminha que se segue nestes 392 anos de minha cidade:
Maria remelenta / de unhas-calçadas encravadas / "boca de índia que comeu cristão" / Sujismundinha que te ailóvio / mariaminoácida que se me goteja / de chuvinhas-fêmina / Tão feinha és e por isso. / Das garatujas nos postes e paredes / Belém belém tô chegando: agora, mas não saí. / Ou o sim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário