quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Botelho mostra coerência, mas a discussão será em juízo

O parecer do consultor-geral, Carlos Botelho (na foto, de Marcelo Seabra/O LIBERAL), apenas agora revelado, muito embora tenha sido assinado em dezembro de 2008 e não tenha vindo a público durante todo o período em que se discutiu a questão dos kits escolares, vai estimular, no mínimo, uma boa discussão em juízo.
À primeira vista, numa leitura sem maiores preocupações em relacionar fatos e fazer associações com outras informações levantadas pelo Ministério Público, no curso das investigações que levaram ao aditamento, depreende-se que o consultor Carlos Botelho trata, em seu parecer, apenas e exclusivamente de materiais específicos da área de publicidade, tais como, conforme ressalta, “a produção de logotipos, arte final, slogans, marcas e quaisquer elementos para campanhas de divulgação estão incluídos no conceito de publicidade”.
Em qualquer situação, até mesmo num despretensioso e-mail em que duas pessoas se comunicam informalmente, deve-se alcançar o sentido do conjunto da mensagem, o seu contexto, o seu sentido, todas as vezes em que houver dúvidas ou prováveis confusões em afirmações tomadas isoladamente.
Aliás, essa é uma técnica de interpretação rotineira, seguida por todos os que lidam com o Direito.
Porque nada mais confuso, vocês sabem, do que leis e normas de toda ordem, que muitas e muitas não guardam qualquer coerência interna, obrigando a que se faça interpretação mais extensa para compreendê-las.
Botelho, conforme se pode ler em seu parecer – observe em postagem mais acima – foi provocado pela Seduc para se manifestar sobre “a produção de anúncios publicitários em material promocional, como camisas, bonés, canetas, pastas , sacolas, bandanas e outros, listados no item 05 da nota técnica em anexo.” É exatamente o que está no item 1 do parecer do consultor.
Diferente seria se Botelho fosse exigido a se manifestar sobre, digamos, “a aquisição de camisas, bonés, canetas, pastas , sacolas, bandanas e outros”, sem qualquer referência à veiculação, nesse material, de mensagens publicitárias, como slogans e marcas, por exemplo.
O item 2 do parecer, no entendimento do blog, confirma o item 1, porque Botelho passou a discorrer sobre o objeto da concorrência. Qual concorrência? A que contratou oito empresas para a prestação de serviços de comunicação e marketing compreendendo ações de publicidade e propaganda.
Botelho só fala nisso até chegar ao item 7, no qual diz explicitamente:

[...] “A produção de logotipos, arte final, slogans, marcas e quaisquer elementos para campanhas de divulgação estão incluídos no conceito de publicidade conforme orientação do Conar e que tais serviços estão delimitados claramente no objeto do certame licitatório e no contrato firmado com as agências de publicidade.”

Confirma-se que, também aí, há inteira coerência, perdura a inteira harmonia com toda a parte anterior do parecer, que trata exclusivamente de ações relacionadas à veiculação de mensagens publicitárias.
Chega o item 8. Diz Botelho:

Neste sentido, não há de se falar em contratação direta, pois a produção de peças de publicidade que serão veiculadas em materiais diversos é serviço que já foi licitado e contratado pela administração pública estadual, devendo ser realizado pelas empresas vencedoras do certame licitatório.

Talvez aqui, neste item 8, esteja um problema, eis que ele, para um leitor rigoroso – como o Ministério Público – dá ensejo a duas leituras, a duas interpretações.
A primeira interpretação é de que o consultor-geral, quando se refere “à produção de peças de publicidade que serão veiculadas em materiais diversos”, está se referindo, realmente, apenas à produção de peças de publicidade.
A segunda interpretação é a de que “os materiais diversos” estariam implícitos no entendimento expendido pelo consultor-geral, de que não seria necessário fazer licitação para sua aquisição, porque neles seriam veiculadas mensagens promocionais, e para isto uma concorrência anterior já fora feito. Até porque as mensagens não estaria soltas no ar, mas seriam veiculadas em “materiais diversos”. Esta aqui, justamente, é a interpretação do Ministério Público para processar Carlos Botelho.
Às vezes - sabem todos, inclusive e sobretudo jornalistas -, é melhor ser redundante e não correr o risco de ser mal interpretado do que deixar certas coisas nas entrelinhas e ser mal interpretado.
Não seria demais, neste caso, que o consultor-geral, para deixar mais claro ainda que os juízos emitidos em seu parecer eram apenas e tão somente sobre a produção de peças publicitárias, dissesse coisas mais ou menos assim, despidas do mais remoto ânimo de cair no juridiquês, que, sabem vocês, só serve mesmo para confundir.
Pois é.
Poderia o consultor encerrar mais ou menos assim:

“Por todo o exposto, é do entendimento desta Consultoria-Geral:
1. Que materiais diversos como camisas, bonés, canetas, pastas , sacolas, bandanas e outros, listados no item 05 da nota técnica em anexo, devem ser adquiridos mediante o regular procedimento licitatório exigível por lei.
2. Quem a veiculação de mensagens de natureza essencialmente publicitária, como logotipos, arte final, slogans, marcas e quaisquer elementos para campanhas de divulgação, dispensa processo licitatório, eis que já contemplada em concorrência anterior, que selecionou oito empresas para prestarem serviços ao Governo do Estado do Pará.”


Pronto.
E ponto.
Talvez assim fosse possível ficar ainda mais claro que, conforme a sábia sentença do filósofo de botequim, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, que pode ser completamente diferente da primeira coisa e com esta não se confundir.
De qualquer maneira, repita-se, o parecer de Botelho, como peça e argumento em que se amparou o MP para incluí-lo como demandado, vai render uma boa discussão em juízo.

4 comentários:

Bia disse...

Bom dia, caro Paulo:

presunção de inocência é um direito inalienável dos cidadãos. Ainda que não respeitado quando a polícia encontra pela rua um "pretinho" em atitude suspeita.
Mas, presunção de ingenuidade não é uma boa característica para um Consultor Geral de Estado.

Caberia a um Consultor saber e informar corretamente que existem normas que dispõem sobre subcontratação - que foi o instrumento utilizado para a confecção dos kits - está na velha e conhecida lei 8666. Está bem ali, no inciso VI do art. 78.

Assim, as empresas vencedoras da licitação na qual o Consultor se agarra e se apoia, encontram um barramento para subcontratar serviços "ancorados" nos famosos e nem sempre corretos chamados contratos guarda-chuva.

No limite, para atualizar os conceitos do Consultor, acreditando na sua ingenua mas atrasada justificativa, recomendo a leitura do projeto-de-lei do Deputado José Eduardo Cardozo, do PT/SP, que encurta ainda mais as rédeas da ação das agências nos possíveis desvios das publicidades governamentais.

Abração, Paulo

Anônimo disse...

Esse povo é burro mesmo. Se fosse eu, mandava construir casas populares com esse dinheiro, colocava o logotipo do governo e, pronto, tudo seria publicidade.

Anônimo disse...

Espero que todos os responsáveis pelos atos de improbridade admnistrativa sejam punidos, não basta apenas terem sido exonerados, aliás muito tempo depois. Mas, tá na cara a forçação de barra de querer envolver o Consultor Geral do Estado no caso. O cara deu o parecer em cima de uma coisa e a Seduc pega esse parecer e faz outra. Nem eu que não entendo muito de juridiquês, me "enganaria". Faça-me o favor!

Anônimo disse...

É por isso que eu admiro o blog, sempre coerente. Vigilante, mas sem perseguição barata.