quarta-feira, 17 de março de 2021

Paulo Chaves sempre viverá em Belém. A sua Belém!

Paulo Chaves: seu legado é uma Belém mais bela, mais aprazível, acolhedora e mais amazônica

Sou suspeito para falar de Paulo Chaves.
Sou suspeito porque o conheci pessoalmente.
Porque o admirava.
Porque travei com ele uma relação de forte amizade, que de minha parte permaneceu indelével, até que um mal entendido, decorrente de injunções, deveres e contingências puramente profissionais, nos separou nos últimos anos.
Tomar conhecimento, ao cair da tarde desta quarta-feira (17), da morte do professor, arquiteto e homem público Paulo Chaves, vítima não de Covid, como muitos estão imaginando, mas de complicações decorrentes de outras comorbidades (cardíacas, inclusive), que há muito tempo o atormentavam, tomar pé dessa ocorrência infausta, portanto, é um golpe horroroso, neste momento de tantos golpes, de tantas lágrimas, de tantas vidas ceifadas.
A notícia da partida de Paulo trouxe-me à memória a primeira vez que o vimos, eu e colegas - muitos dos quais meus amigos até hoje -, nos idos de 1979, quando então cursávamos o primeiro ano do Curso de Comunicação da UFPA.
Paulo apresentou-se-nos na sala de aula com sandálias tipo havaianas (pretas, lembro-me bem) nos pés, calça jeans meio desbotada e uma camiseta - meio justa e sem mangas. A tiracocolo, uma bolsa - tão pequena, tão minúscula que mal deveria agasalhar, acho eu, a chave do carro que ele dirigia.
Sua figura, nestes trajes, causou espanto em muitos dentre nós, sobretudo entre os mais conservadores, que inconscientemente construímos a imagem de um professor de academia trajado sempre a prumo, de preferência de paletó e gravata.
Paulo, não.
Sua figura, sua estampa, destoante do que então se considerava normal - ou meio normal -, suas preleções, suas práticas - como a de aplicar provas porque era obrigado, e não porque as achasse necessárias para aferir a capacidade de cada pupilo -, tudo nele, enfim, encaixava-se num conceito básico, singular e incontornável: Paulo Chaves era mesmo diferente. E por diferente, entenda-se qualquer conceito, inclusive o de que era sempre polêmico. Ardorosamente, radicalmente polêmico.
Se alguém tem dúvidas sobre ser Paulo Chaves diferente, olhem para Belém. Estendam os olhos pela cidade. Vejam-na com seus próprios olhos.
Não tenho dúvidas de que temos uma Belém antes de Paulo Chaves secretário, outra depois de suas passagens pela secretaria de Cultura, nos governos Almir Gabriel e Simão Jatene.
Antes de Paulo Chaves, a Basílica Santuário de Nazaré, o Ver-o-Peso e o Theatro da Paz eram as grandes e praticamente únicas referências da cidade como seus cartões postais, conforme os chamamos.
Depois de Paulo Chaves, além da Basílica, do Veropa e do Theatro da Paz, a Estação das Docas entrou nesse circuito.
Depois de Paulo, o Complexo Feliz Luzitânia (Casa das 11 Janelas, Forte do Presépio, Igreja de Santo Alexandre e Museu de Arte Sacra) passou a encantar nativos e visitantes, como também o Parque da Residência, o Mangal das Garças e o Espaço São José Liberto e seu polo joalheiro.
Depois de Paulo Chaves, não há quem venha a Belém que não queira conhecer o Parque da Residência.
Depois de Paulo Chaves, Belém não precisou mais improvisar locais para grandes eventos públicos em locais multiuso fechados. Porque ele nos legou o Hangar, que é tão multiuso que até transformou-se, neste último ano, em espaço para abrigar um hospital de campanha e uma policlínica para o atendimento de pacientes vítimas da tragédia letal que tem sido esta pandemia.
Depois de Paulo Chaves, o Parque do Utinga deixou de ser um santuário - intocado e inacessível ao público, por suas conformações fisiográficas e pela preciosidade de seu ecossistema - para transformar-se num espaço preparado para o desfrute e para a interação entre seres humanos e um exuberante e magnífico exemplar da biodiversidade da natureza amazônica.
Paulo não inventou a roda.
A rigor, se vocês observarem bem, ele não construiu quase nada em sua passagem pela vida pública.
Em boa medida, Paulo aproveitou o que Belém já tinha de belo, restaurou-o, recuperou-o e deu-lhe novos significados e novas utilidades.
O Espaço São José Liberto, por exemplo: um presídio, recinto de histórias horrorosas permeadas por maus-tratos, torturas, mortes e rebeliões, transformou-se num espaço prazeroso, enriquecedor, fonte para que a criatividade fosse liberada, proporcionando renda e reconhecimento a artesãos pela arte que ali produzem e desenvolvem.
Da mesma forma, a Estação da Docas: três galpões de ferro inglês, com arquitetura bem característica da segunda metade do século XIX, foram adaptados, lapidados, lustrados e transformados no que se vê hoje.
Lamento, sinceramente, não ter reatado o contato com Paulo Chaves, desde que, conforme dito inicialmente, um mal entendido nos separou há uns oito anos.
Ainda tentei, por interpostas pessoas, tentar uma reaproximação com ele nos últimos tempos. Mas o tempo foi passando, passando, veio essa pandemia horrorosa e eis que meu amigo se foi.
Peço-lhe desculpas e perdão por eventuais agravos que, mesmo por imposições eminentemente profissionais eu possa ter cometido e que o deixaram justamente magoado.
Mas agora, que Paulo é saudade, prefiro superar isso tudo e imaginá-lo, imemorialmente, como um cidadão - não digo nem um homem público e um profissional da arquitetura, mas um cidadão - que amou Belém como poucos, que a tornou mais bela, mais aprazível, em alguns aspectos mais amazônica (como quando nos permitiu chegar mais perto de suas águas) e mais acolhedora.
Paulo era, sim, perfeccionista.
Era, sim, detalhista (aos extremos).
Era, sim, exigente.
Mas esse foi o preço que seu enorme, incontestável e operoso talento cobrou-lhe.
E o preço saiu muito, mas muito barato pelos tesouros que legou à cidade.
Paulo Chaves continuará vivo.
Vivíssimo.
Sua Belém, a Belém de Paulo Chaves, é a prova disso.
Porque sua Belém, a Belém de Paulo Chaves, é a cara do seu talento e tem o tamanho do amor que ele nutria pela cidade.
Um amor inesgotável e imorredouro.
Como imorredouras serão nossas lembranças de Paulo Chaves.

Um comentário:

Anônimo disse...

Postagem primorosa. Aqui em Bragança ele nos deixou um legado fantástico: o Liceu de Música. E o seu talento brindou Belém ainda, com um dos melhores shoppings do Brasil. Seu trabalho pode ser carimbado como o poeta da arquitetura e urbanismo.