Por ALBERTO DINES, no Observatório
da Imprensa
No mesmo dia em que se confirmava a denúncia do
Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contra Eduardo Cunha, o
presidente da Câmara Federal, a ministra do STF Cármen Lúcia, declarou que o
povo brasileiro sabe o que NÃO quer, porém “as pessoas boas” precisam expressar
o que querem — com “a ousadia dos canalhas”.
Mineira legítima, a vice-presidente da nossa
suprema corte, consegue ser veemente e arrasadora com a naturalidade de quem dá
um bom-dia. Impedida de manifestar-se sobre um processo que ainda não examinou,
tem sido capaz de oferecer aos vacilantes conceitos certeiros e opiniões
inequívocas.
A verdade é que o deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), é dono de um potencial de ousadias suficiente para transformar a
grave crise de governança que atravessamos em impasse institucional. O
rol de malfeitorias e as penas solicitadas pelo Ministério Público eram
suficientemente fortes para que na denúncia constasse a necessidade de afastar
de imediato o acusado da função que exerce.
O procurador Rodrigo Janot preferiu não
confrontar o STF antecipando-se ao seu julgamento e, com isso — a contragosto,
certamente — garantiu ao denunciado o cenário e a audiência para uma performance
de, pelo menos, seis meses num gênero de farsa que o presidente da Câmara de
Deputados domina como poucos.
Eduardo Cunha é ousado porque não lhe sobram
alternativas. Joga perigosamente porque não conhece outro jogo. Arrisca-se
porque não tem o que perder, tal é o seu nível de desapreço por si mesmo. Suas
apostas raramente são as mais recomendáveis e os predicados, que o ajudaram a
se projetar de forma tão surpreendente, são geralmente mencionados com
discrição e/ou eufemismos. Para evitar incômodos e incompreensões.
Impróprio qualificá-lo como kamikaze (do
japonês, “vento divino”,) porque aqueles pilotos suicidas nipônicos,
celebrizados durante a 2ª Guerra Mundial, se imolavam com pretextos espirituais
e místicos. Já o personagem que domina as manchetes nos últimos dias, picado
pela ambição e fanatismo só pensa em si mesmo.
Como qualquer cidadão, Eduardo Cunha tem o
direito de se defender bem como servir-se dos instrumentos do Estado de Direito
para provar a sua inocência. Mas em seu benefício não pode usar o poder que a
sociedade lhe conferiu para preservar apenas o interesse público.
Ao garantir que permanecerá na presidência da
Câmara, Eduardo Cunha não percebe que está oferecendo prova cabal da sua
onipotência e periculosidade. Quem é acusado de abusar do poder durante tanto
tempo e através de tantos ilícitos não tem credibilidade para garantir
doravante um comportamento isento, insuspeito e imparcial.
Eduardo Cunha não pode continuar no cargo. O
país não pode ser submetido à vergonhosa situação de manter no primeiro escalão
alguém tão comprometido com a delinquência.
É indecorosa e quase obscena, a ambiguidade da
oposição oferecendo um suporte ao denunciado pela facilidade de que dispõe para
acionar um processo de impeachment da presidente da República. O que se espera
da oposição e especialmente do PSDB é outra espécie de ousadia: a da “gente
boa”, os decentes e honrados.
E qual das ousadias preferirá a mídia ?
A
ousadia dos pirómanos, apocalípticos, belicistas ou, ao contrário, optará pela
prudência e responsabilidade? A mídia terá a audácia de apoiar os delinquentes,
aferrados ao projeto de interromper o mandato da presidente Rousseff a qualquer
preço ou vai se atrever a apoiar os deputados que pretendem libertar a Casa do
Povo do caudilho ensandecido?
Nenhum comentário:
Postar um comentário