sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Lições de 3 de outubro


As eleições deste ano têm um significado muito importante para o Brasil. Mais do que contagem de votos, acenam para significativas mudanças no processo de conscientização do eleitorado. Indicam que, não obstante uma grande parcela ainda despreze decisões do Poder Judiciário, outros tantos mostram-se dispostos a abrir novas frentes, embora sem perspectivas de vitória imediata nas urnas.
A influência da Justiça Eleitoral revela-se quase nula, no que diz respeito à admissibilidade de candidatos. Embora o TSE haja batido o martelo contra a inscrição de alguns pretendentes, isso pouco importou para milhões de eleitores. Garantido o direito de votar, eles assim procederam. Portanto, a sociedade não faz suas escolhas políticas fundamentadas na palavra de quem cuida do assunto. Muitos parecem ver a Justiça Eleitoral apenas como agente administrativo.
Essa visão ficou clara quando outros órgãos do Judiciário agiram no período eleitoral. No caso do Amapá, a prisão de alguns candidatos os afastou da vitória nas urnas. Sem que houvessem sido declarados inelegíveis, a postura da Justiça produziu uma leitura imediata pelo eleitorado. Todos estavam aptos a receber votos, mas, sem palavras, foram afastados de mandatos praticamente ganhos.
Ficou claro também que brasileiros não ligam muito para siglas partidárias. O povo não está afeto a isso. Em primeiro plano, movimenta-se em torno de pessoas. Daí decorre o fenômeno do segundo turno. Dilma Rousseff teve apoio e participação efetiva de Lula na campanha. Mesmo assim, a candidata não conseguiu atrair para si a altíssima popularidade do presidente. O povo entendeu que uma coisa é o PT, outra é Lula, outra é Dilma. Em decorrência, um inexpressivo PV fez história, graças à pessoa chamada Marina Silva.
Sobre essa estranha genética eleitoral, prova-se que não é possível transferir a totalidade de votos de um bom "cromossomo". Apesar da simetria dos genes, qualquer eleitor sabe que em política nada se repete. E mais: se o Brasil já foi governado recentemente por dois vices, quem garante que Dilma seguirá a cartilha de Lula? Pai e filhos podem se parecer muito, porém, são pessoas distintas.
Interessante a leitura que vem do Distrito Federal. Lá, os brasileiros que vivem mais perto do poder rejeitaram os candidatos mais votados pelo resto do país. Marina obteve vitória esmagadora. Portanto, se dependesse da opinião abalizada desses nossos conterrâneos, já teríamos presidente eleito.
O Brasil não perdeu de vista a necessidade de líderes espontâneos, que surjam da base, fruto de uma vida dedicada a lutas sociais. Esse foi o grande prejuízo de Dilma Rousseff. Ela teve todo o poder e influência favorável de Lula, mas pecou pela biografia pobre nesse ativismo rastejante de sua concorrente. Marina saiu do campo, do Acre, nosso primo pobre e esquecido. E o Brasil se inspira nisso. Aliás, foi por esse motivo que Lula chegou lá. Nunca chegaria num terno de aluguel, com voz perfeita e titulado ministro. Chegou porque o povo ainda procura novos valores.
Outra discussão importante é a questão dos princípios morais e éticos que regem o povo brasileiro. Nenhum candidato pode desprezar isto. E hoje, no Brasil, princípio vale mais do que lei. E estou falando agora de aplicação de normas comuns. Moralidade, eficiência e legalidade estão no topo das decisões judiciais brasileiras.
Nesse contexto, entra a questão do aborto. Dilma Rousseff perdeu milhões de votos por uma suposta apologia à causa. Segundo dizem, o tema consta do projeto político da candidata. Mas, agora, Dilma pretenderia mudar, mandar retirar do texto essa porção anátema. Dará certo a estratégia? Creio que não. Sendo uma questão de princípios, a candidata já teria demonstrado publicamente o que pensa. Para funcionar, o povo teria de mudar seu posicionamento a respeito. Porém, princípios morais e éticos não mudam da noite para o dia. Eles são as colunas de um povo. Resultam de seu processo de formação e de sua visão de mundo. Mesmo respeitado o direito da minoria, somos um país cristão. E nossos valores falam pela defesa da vida.
As eleições mostraram que não há como "perder o voto" se ele é fruto de convicção pessoal. Boas sementes não se perdem. Se aparentemente não vingam, no mínimo ajudam a arar a terra. Essa é a impressão que tenho, olhando a votação de Marina. Não venceu, mas mexeu com toda a sementeira. Firmou a candidatura de Serra e o pôs frente a frente de quem ria pela vitória certa.
Agora, mais uma vez, Marina volta ao campo para mexer a terra. Se escolher bem a árvore frutífera, o povo há de acompanhar seu gesto. Se se declarar neutra, muitos ainda filtrarão seu candidato por ela. Se errar, seguirão apenas o que ela disse antes.

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RUI RAIOL é escritor (www.ruiraiol.com.br)

3 comentários:

Anônimo disse...

O problema não está na árvore: está na planta. Todos sabem que o Gabeira, lider do PV, é a favor da liberação da maconha. E a Marina? Já se posicionou publicamente sobre isso?

Cássio de Andrade disse...

É lamentável que o texto de um líder religioso até progressista como o Pastor Rui Raiol, insista nessa leviana cruzada conservadora apregoada pela boataria da TFP, OPUS DEI, Canção Nova, etc, que levou milhares de católicos e evengélicos a migrar seus votos para a nova santa canonizada pela mídia, Marina Silva. Sinto muito, pastor, mas com esses argumentos você se aproxima dos católicos reacionários que em nome da fé, da tradição, da família e da propriedade, fizeram a mesma coisa em 64 e em 89. A boataria da internet tirou o 1º turno de Dilma e marina cumpriu direitinho seu papel de boa beata: Levou Serra ao 2º turno. É lamentável que o PSDB que tem entre seus quadros ilustres ateus como FHC, Gregori e o próprio Serra, agora use desse expediente com verniz Bushiano com essa cruzada fundamentalista de "candidato do Bem". O eixo do mal é a Dilma, então. Nunca a candidata defendeu o aborto, mas o que está previsto na lei. Aliás, em todo o primeiro turno isso nunca foi o debate central. Por coincidência, virou celeuma nacional às vésperas das eleições. Pobre país a depender dos defensores da vida, tais como lobos em peles de cordeiro. Parabéns ao Pastor Malafaia que não caiu nesse cantochão barroco oportunista dos que se dizem cristãos e defensores da vida, mas usam a difamação e a leviandade como método de cooptação. Triste, Pastor Rui lhe vê próximo à TFP!

Anônimo disse...

Pastor com todo respeito, tudo o o sr escreveu está muito bonito mas será que eu entendi? que o candidato certo para o Sr é o SERRA, seja mais explícito. pois ai infelizmente vamos discordar, sou mulher cristã, mãe de família e professora meu voto é de Dilma e Ana Julia.