sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
A reforma que “eles” não querem
Os imperadores romanos descobriram a fórmula mágica para manter o povo obediente e dócil, sem os riscos de uma revolta popular: “panis e circus”. Com o “progresso” , a fórmula foi sendo aperfeiçoada pelos poderosos de plantão, notadamente os governantes, que acreditam ainda na força da dominação pela distribuição de migalhas, que podem atender pelo nome de bolsas de diferentes categorias, mas sempre com o mesmo propósito: manter sob controle a situação, que também atende pelo nome pomposo de “status quo”. É consenso no mundo político que, em nome da governabilidade vale-tudo. No caso, governabilidade nada mais representa do que a tenaz e feroz luta política pela manutenção de privilégios, de cargos e do poder. Nesse cenário, toldado pela falta de escrúpulos e de caráter, parece que os governados vão ficando anestesiados e perdendo a capacidade de se indignar. Com a sucessão de escândalos, acabam se acomodando com a falsa impressão de que nada pode ser feito para mudar . Nem pelo voto. Essa anestesia geral do cidadão acaba reforçando a sensação de impunidade dos homens-gafanhotos dos recursos públicos e dos agentes predadores da cidadania.
Quando mais um escândalo vem à tona no coração do poder, com dinheiro em profusão saindo pelo ladrão, pelas meias e cuecas, em imagens muito fortes , capazes de fazer corar de vergonha ou de raiva qualquer cidadão de bem, que sustenta sua família com o suor de seu trabalho, vergando ao peso da maior carga tributária do mundo - o que diz o dirigente máximo da Nação?: “Calma, gente , imagem não é tudo! Afinal, elas não falam por si.”
Provérbio chinês muito usado nas antigas redações dos jornais, no tempo das diligências e do chumbo grosso da censura, proclama exatamente o contrário, ou seja, de “que uma imagem vale por mil palavras”. Estão aí os nossos mestres do traço e da troça J.Bosco e Waldez, com suas charges que dispensam comentários, confirmando a milenar sabedoria chinesa.
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“A Justiça anda meio desacreditada por sua ação morosa e claudicante diante do emaranhado de leis que acabam favorecendo a parte mais forte, onde se abriga a elite política dirigente, que também vota as leis.”
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“Oh, tempora, oh mores”! Os costumes dos novos tempos conduzem também a um estado letárgico de uma classe média “formadora de opinião “anestesiada pelo consumismo e incapaz de reagir, pelo menos com indignação, a esse verdadeiro assalto aos cofres públicos e à derrama de dinheiro sujo do “propinoduto” gerado pela relação incestuosa das empreiteiras com o Poder Público, resultando em obras superfaturadas e de qualidade duvidosa.
Dando de ombros, o cidadão comum , mais preocupado com a escalação do Flamengo para a disputa da final do Brasileirão, poderia dizer: “O que faz a Justiça , que não prende todo mundo e determina a desapropriação de todos os bens adquiridos pela fraude”?
É certo que a sociedade ainda tem esperanças na ação do Ministério Público e da Polícia Federal . A Justiça anda meio desacreditada por sua ação morosa e claudicante diante do emaranhado de leis que acabam favorecendo a parte mais forte, onde se abriga a elite política dirigente, que também vota as leis.
Logo, leis brandas para os crimes de colarinho banco como uma espécie de “habeas corpus” preventivo. Os mandatos eletivos, comprados a peso de ouro, também servem de escudo contra a ação da Justiça, na medida em que a imunidade parlamentar se confunde com a impunidade do foro privilegiado.
A sensação de impunidade também responde pelo cinismo com que se praticam atos de rapinagem “como nunca dantes na história deste País” , ao ponto de se debochar até das tradições religiosas do povo, como no flagrante em que os corruptos brasilienses agradecem aos céus pelas “bênçãos” recebidas. Se as imagens do governador Arruda embolsando dinheiro de propinas não falam por si, presidente, o que o senhor tem a dizer dessa imagem grotesca da “oração da propina”? Elas também não dizem nada? Que dizer, então, das imagens fortes e comoventes do filme “Lula, o filho do Brasil”? Será que também não falam por si?
O presidente Lula aponta a reforma política como única maneira capaz de se “moralizar” a gestão pública. E, com ares de quem está em paz com a sua consciência, adianta que já enviou dois projetos de reforma política para o Congresso Nacional votar.
É evidente que a reforma que a sociedade deseja, presidente, não é a mesma possível de ser aprovada no atual Congresso Nacional. É claro que a corrupção que corrói o organismo do Estado brasileiro não foi invenção do PT no poder. Ela vem de longe e é inerente ao viciado sistema político-partidário-representantivo , que embora sob o manto sagrado da Constituição (“todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”) na verdade esconde uma grande e enganosa falácia.
A reforma que a sociedade deseja, presidente, resultaria em leis que alcancem não apenas os ladrões de galinha, mas também os ricos e poderosos que, além de galgarem altos postos, ainda enriquecem ilícita e impunemente com o dinheiro público, que falta para a saúde indigente, para a educação incipiente e para a insegurança pública, sem falar nos transportes coletivos precários e sujos.
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“A reforma que a sociedade mais deseja é a do caráter de seus dirigentes, eleitos ou nomeados, concursados ou não. Do contrário, sucumbiremos todos num mar de lama e de omissões, de desculpas esfarrapadas e de perdidas ilusões.”
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A reforma que a sociedade deseja, presidente, também acabaria com essa célula cancerosa do nepotismo nos vários escalões de todos os poderes da República. Também expurgaria os vices e suplentes, inúteis penduricalhos do poder, onde se abrigam afilhados políticos e nulidades endinheiradas, que apenas contribuem para exaurir ainda mais os maltratados cofres públicos.
A reforma que a sociedade deseja, presidente, também acabaria com a excrescência do voto obrigatório, que alguns políticos costumam confundir com voto de cabresto ou com mercadoria barata.
O povo não precisa de “brioches” ou “panetones”, mas de vagas para seus filhos em escolas e universidades públicas decentes, de ser atendido com dignidade nos hospitais e pronto-socorros da rede pública, de oportunidades para trabalhar com dignidade e do respeito aos seus direitos de cidadão, eleitor e contribuinte.
Enfim, senhor presidente, a reforma que a sociedade mais deseja é a do caráter de seus dirigentes, eleitos ou nomeados, concursados ou não .
Do contrário, sucumbiremos todos num mar de lama e de omissões, de desculpas esfarrapadas e de perdidas ilusões. Nesse cenário, o que mais preocupa não é o cinismo “panetônico” dos canalhas, mas o silêncio inocente dos bons.
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FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@bol.com.br
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