terça-feira, 17 de novembro de 2009

“Prefiro acreditar em Frei Betto”

De Stefani Henrique, por e-mail, ao blog, a propósito da postagem Sabem a Yoani? Tenhamos dó da Yoani...:

Deixa eu ver, moça do blog, Veja, PIG, EUA, viúvas da ditadura militar, tucanos, hum...
Não sei por que não consigo acreditar em vocês!
Prefiro acreditar em Frei Betto e em suas palavras abaixo.

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A manutenção, por longo tempo, de medidas justificadas pela Guerra Fria começa a ser questionada. É o caso do caráter paternalista do Estado
Havana, nesta época do ano, é banhada por suave temperatura. O calor é amenizado pelo hálito de frescor que sopra das águas azuladas por trás do Malecón. A umidade reflui, embora a população se mantenha atenta à meteorologia: outubro e novembro são meses de furacões. Ano passado, ceifaram quase 20% do PIB, hoje calculado em US$ 50 bilhões.
Não há sinal de que o desastre se repita este ano. Impossível, contudo, prever as reações vingativas de Gaia, cruelmente estuprada por nossa ambição de lucro e solene desprezo à mãe ambiente.
A visita a Cuba, na penúltima semana de outubro, não tinha agenda de trabalho. Fui a convite do querido amigo José Alberto de Camargo, que, para comemorar aniversário, escolheu a cidade reencantada pela literatura de Lezama Lima, Alejo Carpentier e Nicolás Guillén.
A cormitiva (comitiva do coração) incluiu os jornalistas Chico Pinheiro e Ricardo Kotscho, este acompanhado de Mara, sua mulher. Alojados no octogenário Hotel Nacional, brindamos o desembarque com o daiquiri de La Floridita, onde Hemingway tomava seus porres. Visitamos a casa de praia em que ele morou e escreveu O velho e o mar, bem como o Hotel Ambos Mundos, no qual viveu seis anos e redigiu Por quem os sinos dobram.
Foram dias de boa culinária caribenha no El Templete, à beira do porto, e em El Oriente, frequentado por Saramago e García Márquez. Entre mojitos e o aroma perfumado dos charutos Cohiba, cuja fábrica percorremos, mantivemos proveitosas conversas com cidadãos anônimos e autoridades do país, como Ricardo Alarcón, presidente da Assembleia Nacional; Eusébio Leal, historiador da cidade (e responsável pela restauração da área colonial de Havana); Homero Acosta, secretário do Conselho de Estado (no qual se congregam ministros e dirigentes do país); Armando Hart, do Centro de Estudos Martianos; Abel Prieto, ministro da Cultura; e Caridad Diego, responsável pelo Gabinete de Assuntos Religiosos (que cuida da relação entre Estado e denominações confessionais).
Permaneci um dia a mais para encontrar-me com Raúl Castro, atual presidente, com quem almocei no sábado, 24, e Fidel, que, na tarde do mesmo dia, me recebeu em sua casa, com direito a jantar.
Cuba se encontra grávida de si mesma. Após 50 anos de Revolução, é hora de analisar erros e impasses. Mira-se o passado para enxergar melhor o futuro. Em 2010, o 9º congresso do Partido Comunista deverá submeter o país à verificação de suas contradições e elaboração de novas estratégias, sobretudo no que concerne à economia e à emulação ética.
Engana-se quem supõe Cuba retrocedendo ao capitalismo. Ainda que se multipliquem aberturas à economia de mercado, devido à globalização e ao mundo unipolar hegemonizado pelo neoliberalismo, não interessa à ilha priorizar a acumulação privada da riqueza em detrimento da maioria da população. A América Central é o espelho no qual Cuba não quer se ver: ali os índices de violência são, hoje, os mais altos do mundo, com 23 assassinatos/ano por grupo de 100 mil habitantes. No Brasil, o índice é de 31/100 mil e, em Cuba, 5,8/100 mil. Basta dizer que, no Rio, a polícia matou, em 2007, 1.330 pessoas. No ano anterior, nos EUA foram mortas pela polícia 347 pessoas.
Os cubanos são conscientes de as falhas do país não poderem ser todas atribuídas ao criminoso bloqueio imposto, há mais de 40 anos, pela Casa Branca (e, agora, em vias de distenção pela administração Obama).
A manutenção, por longo tempo, de medidas justificadas pela Guerra Fria começa a ser questionada. É o caso do caráter paternalista do Estado, que assegura a 11 milhões de habitantes, gratuitamente, cesta básica, saúde e educação de qualidade.
Por essa razão, a qualidade de vida em Cuba, onde o analfabetismo está erradicado, figura em 51º lugar, entre 182 países, no Índice de Desenvolvimento Humano 2009, da ONU. O Brasil mereceu a 75ª classificação. Não se cogita alterar o direito universal e gratuito à saúde e à educação. Porém, a redução dos subsídios à alimentação deverá coincidir com o aumento de salários e da produtividade agrícola, de modo a diminuir a importação de 80% dos alimentos consumidos.
Busca-se solução a curto prazo para a duplicidade de moedas: o CUC, adquirido pelos turistas (evita o câmbio paralelo e a evasão de divisas), e o peso, utilizado pelo cidadão cubano. O turismo, ao lado da exportação de níquel, é das principais fontes de arrecadação de Cuba, que, com tamanho 64 vezes inferior ao Brasil, recebe 2,5 milhões de turistas por ano, metade dos que desembarcam em nosso país no mesmo período.
Toda a América Latina se opõe, hoje, ao bloqueio e apoia a reintegração de Cuba nos organismos continentais. A questão política mais relevante nas relações internacionais é a urgente libertação dos cinco cubanos presos nos EUA desde 1998, condenados a penas elevadíssimas, acusados – acreditem! – de evitar atos terroristas. Os cinco lograram abortar 170 atentados planejados contra Cuba dentro da comunidade cubana de Miami.
Fernando Morais, com quem jantamos em Havana, promete lançar, em 2010, livro em que conta a esdrúxula história do processo movido pela Justiça usamericana contra os cinco cubanos.

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FREI BETTO é escritor, autor de Calendário do poder (Rocco), entre outros livros.
Fonte: Estado de Minas

4 comentários:

Anônimo disse...

Prezado PB,

No livro "Fidel e a Religião", que se constitui numa entrevista de Fidel para Frei Betto, o comandante cubano disse que fuzilara durante a Revolução e que perseguira a Igreja Católica na ilha. Frei Betto, entrevistador, ficou mudo, o que dá uma medida da parcialidade, melhor dizendo, daltonismo fanático desse religioso, que até escreve bem, mas cujas idéias não merecem um grão de areia de crédito.

Prefiro a Yaoni, mulher corajosa, que enfrenta, de peito aberto, um tipo de socialismo que já fracassou around the world.

Abraços democráticos.

Anônimo disse...

Coitados desses dirigentes de Cuba!
Se o céu existe é para lá que vão após a exaustiva luta pela liberdade.... Eles e quem mais os apoiaram....

Anônimo disse...

Ter como anfitrião os dentores do poder, principalmente em países onde a liberdade não ecoa - onde o cidadão comum tem que rezar sempre na mesma cartilha - só dá para sair elogiando. Agora morar lá como um cidadão comum, mesmo com todos os índices positivos, ou estar lá sem ser convidado, aí a coisa parece bem diferente. Tá aí a impressão do caboclo viajante: http://cabocoviajante.blogspot.com/2009/07/cuba-o-caminho-mais-comum-pra-se-chegar.html#links

Anônimo disse...

Hum, então tá , Frei.
Vai pra lá , vai, gozar as delícias da cesta básica (quando tiver; normalmente é racionadíssima).
Agora, "isperimenta" falar em alto e bom som, em praça pública, alguma frase que desagrade a família-do-poder!