O fator Marina

SERGIO BARRA

Perguntar não ofende: Nosso Guia fará seu sucessor? Acredito que não. A agremiação que se dizia ser a mais ética neste País, hoje, diante de tantos escândalos em que se envolveu, perdeu boa parte da credibilidade que ainda lhe restava.
Não devemos confundir o PT com o lulismo. Agora, faltando pouco mais de um ano para a sucessão presidencial, é bem provável que o governo, apesar da imensa popularidade do presidente Lula, não conseguirá fazer o sucessor - no caso, a ministra Dilma Rousseff. É bom notar que o partido do presidente da República está em processo de deterioração.
Com esse episódio da Receita Federal e outros que anteriormente protagonizou, se o rótulo de mentirosa colar na ministra, será muito difícil superar isso em uma campanha eleitoral. Há sinais de que o acontecimento envolvendo Lina Vieira chegou a fazer Nosso Guia questionar a escolha de sua candidata à sucessão.
Em conversa com aliados, o presidente se mostrou preocupado com o fato da ministra estar criando muitos atritos antes do processo eleitoral. Em público, Nosso Guia jamais admitirá isso, até porque Dilma só é candidata por imposição do próprio presidente.
Os últimos acontecimentos mostram que o PT deu um passo a mais na direção de seu fim. O partido do presidente passou vinte anos dizendo que era sério, que era ético, que trabalha pelo Brasil de uma maneira diferente dos outros partidos. O mensalão minou todo o apelo que o PT havia acumulado em sua história. Ali acabou o diferencial. Ali acabou o glamour. Todas as suas principais lideranças foram destruídas. Estrelas como José Dirceu, Luiz Gushiken e Antônio Palocci se apagaram.
Agora, com a saída de Marina da Silva, o PT sofre um grande abalo nos redutos mais antigos do partido. Ela saiu basicamente, porque foi coerente com sua história. Marina foi criada em um seringal a 70 quilômetros de Rio Branco, numa família de 11 irmãos, dos quais apenas oito sobreviveram à pobreza e a doenças como sarampo, malária e contaminação por metais pesados.
O fator Marina vai pesar, sim. Marina, ao contrário de Dilma é uma petista histórica, tem 30 anos de militância e agrada a uma parte do eleitorado com o qual se identificava, mas a desilusão com a estrela vermelha foi maior. Mas Marina é o primeiro toque de emoção numa disputa que parecia marcada pela racionalidade. Em certas circunstâncias, isso pode fazer a diferença.
Por outro viés, existe um movimento subterrâneo no PT, supostamente entre os aliados da ministra, para tentar criar-lhe dificuldades. Acho que não preciso relacionar. Mas prevê fissuras nas lideranças. Se está preocupado com a candidatura de Marina, o governo disfarça bem seus temores.
A história petista de Dilma é recente. Ela se filiou ao partido apenas em 1999, após romper com o PDT. Não pertence a nenhuma das correntes petistas e não tem influência na máquina partidária. Jamais disputou eleição e é considerada no partido apenas um quadro técnico. O PT aceitou sua candidatura por submissão ao Nosso Guia, mas jamais se empolgou com a idéia.
Um fato que não deve passar despercebido: Nosso Guia sempre foi contra a reeleição e só resolveu disputá-la para tentar salvar o PT. Sua reeleição foi um plebiscito para decidir se deveria continuar governando por mais quatro anos ou não. Mas tudo indica que agora ele não fará o sucessor justamente por causa da mesmice na qual o PT mergulhou.
Marina tem uma influência muito significativa nas Comunidades Eclesiais de Base, e este será o segmento mais afetado. Há também certa inquietude semelhante nos movimentos de sem-terra, indígenas e, sobretudo, entre organizações que atuam na área de defesa do meio ambiente.
Com certeza, a candidatura de Marina, se confirmada, sem dúvida nenhuma é uma pedra no sapato do governo e poderá modificar o quadro político para 2010. Marina é pedra 90. Além de conhecida e respeitada, é mulher e também tem uma história de luta contra a ditadura. Tem uma imagem colada à seriedade, contraste positivo com o problema moral que acomete o país.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com