sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O castelo do baixo clero


Inspirado na arquitetura medieval, o suntuoso e cafona castelo do deputado Edmar Moreira, descoberto no rastro de sua inesperada exposição pública, com a eleição para o cargo de crregedor da Câmara dos Deputados, acabou virando o símbolo nacional da cultura e da política do atraso.
Acostumado a atuar nas sombras e nos subterrâneos do poder, sempre buscando aplacar sua insaciável sede de cargos, vantagens e mordomias, o deputado Edmar cometeu sua mais grave falha estratégica, em 20 anos de mandato parlamentar, ao sair do merecido anonimato do baixo clero para se expor na ribalta da mídia.
Para espécimes políticos da estirpe de Edmar , a luz pode ser danosa, a exemplo de alguns espécimes do reino animal que não gostam da claridade e quando a enfrentam se dão mal. Foi assim também com Severino Cavalcante, que ousou sair das sombras onde atuava com desenvoltura para voar mais alto, como se fora um condor quando não passava de um colibri. Foi abatido em pleno vôo.

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“Para espécimes políticos da estirpe de Edmar , a luz pode ser danosa, a exemplo de alguns espécimes do reino animal que não gostam da claridade e quando a enfrentam se dão mal.”
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Curiosamente, na mesma semana em que José Sarney e Michel Temer tornaram-se, pela terceira vez, presidentes do Senado e da Câmara Federal, em nostálgico e emblemático retrocesso político, a indicar completa falta de renovação de lideranças no Brasil, Edmar era eleito corregedor da Câmara, como candidato avulso do baixo clero.
Os dois eventos dizem muito da sensação de impotência que invade a sociedade diante do festival de fisiologismo e cinismo com que os parlamentares promovem seus regabofes com o dinheiro público e também a completa desmoralização da própria classe política.
Ora, o que esperar de um corregedor, cuja função se destina a "corrigir" deslizes de ordem ética e moral de seus pares, às voltas com mais de dez processos na Justiça, envolvido em sonegação de impostos , apropriação indébita de contribuições do INSS , além de uma penca de ações trabalhistas por desrespeito aos direitos de seus empregados?
Edmar enriqueceu como dono de empresas privadas de segurança e fez uma silenciosa e bem-sucedida carreira política na base do troca-troca de favores e benesses na "bacia das almas" do Congresso Nacional.
O Castelo Monalisa, erguido nas brenhas da zona da mata mineira, com 36 suítes dotadas de banheiras de hidromassagem, parque aquático e outros luxos, avaliado em R$- 25 milhões, mas "oficialmente" declarado para fins de Imposto de Renda, em simbólicos R$ 17,5 mil, é o próprio retrato da vergonhosa realidade política do País, que desde a Constituição "cidadã" de 1988 tenta, sem êxito, reformar os viciados costumes de uma classe política anestesiada pela cultura do atraso e blindada pela sensação de impunidade.
A caricata prestação de contas, feita com "notas frias" , da famosa "verba indenizatória", em torno de R$ 15 mil mensais, que os deputados recebem para despesas pessoais, é apenas a ponta do iceberg no oceano de lama gulosa, que ameaça tragar não só a classe política, mas também a própria cidadania.

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“A impunidade dos criminosos de colarinho branco desencadeia uma sensação na camada de baixo na escala social de que o crime pode compensar, notadamente com uma Justiça que também se desmoraliza, na medida em que se recusa a expelir de seu seio alguns juízes venais, flagrados vendendo sentenças.”
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"Quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito", já dizia um filósofo francês. Não precisa nem ser estudioso da sociologia para avaliar o acerto dessa assertiva. A impunidade dos criminosos de colarinho branco desencadeia uma sensação na camada de baixo na escala social de que o crime pode compensar, notadamente com uma Justiça que também se desmoraliza, na medida em que se recusa a expelir de seu seio alguns juízes venais, flagrados vendendo sentenças.
Não por acaso está fazendo muito sucesso, nos corredores do Congresso Nacional, em Brasília, a já famosa "teoria do barril de lama", que explicaria a ascensão de figuras como o deputado Edmar Moreira para o elevado cargo de Corregedor da Câmara dos Deputados.
Trata-se de uma esperta (não seria indecente?) estratégia de sobrevivência na "selva política" , sustentada na tese de quanto mais gente se enlamear, mais difícil se torna a divulgação das maracutaias e dos acertos de bastidores, em razão do contágio desencadeado pelo "vírus" da cumplicidade. Coisa de mafiosos.
O escândalo do castelo do deputado Edmar é considerado um desvio de percurso. Ele não teria tido os cuidados necessários para preservar sua intimidade, longe dos holofotes da Imprensa. Por isso, será castigado talvez até com a perda do mandato, antes que o escândalo possa respingar em alguns outros condestáveis da República, que têm conseguido "segurar as pontas", como manda o figurino do cinismo premiado.
Assim caminha a impunidade e o saque da "coisa pública" em nosso País. E a reforma política "patrocinada" pelo governo Lula? Agora ela sai, dizem alguns analistas. Para mudar, sim, no velho estilo mineiro, desde que o poder permaneça nas mãos de "profissionais"do ramo, pois não?

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FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@bol.com.br

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