Na ÉPOCA:
A fotografia de Machado de Assis por Marc Ferrez tem a data presumida de 1890. Mas o modelo parece ter menos de 50 anos, comparado à imagem das fotos das próximas páginasNos cem anos de sua morte, comemorados nesta segunda-feira, 29 de setembro, Machado de Assis ainda é capaz de provocar surpresas. Sua extensa obra – nove romances, 200 contos, uma dezena de peças de teatro, cinco coletâneas de poemas e milhares de crônicas – está praticamente canonizada e o torna, indiscutivelmente, o maior escritor do Brasil. Mas quem é esse gênio? É o austero fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL)? O monstro cerebral pessimista e sarcástico como o descreviam os modernistas? Ou o herói do povo, como defendiam os primeiros socialistas? Embora os estudos machadianos tenham gerado dezenas de milhares de títulos – Machado é o ramo do conhecimento literário brasileiro mais estudado –, sua vida permanece envolta em mistérios, em especial os anos de juventude. Como um sujeito pobre e mestiço, numa sociedade ainda escravagista, conseguiu se tornar o mestre da cultura brasileira? ÉPOCA teve acesso, com exclusividade, a um conjunto de cartas ainda inéditas de Machado, que ajudam a responder a essas perguntas e a desvendar o enigma machadiano. “Pela primeira vez, podemos compreender o fluxo da correspondência de Machado, suas amizades, amores, relação com a política de seu tempo e preocupações filosóficas”, diz o ensaísta e diplomata Sérgio Paulo Rouanet, da ABL. Rouanet coordena o projeto mais arrojado do centenário de Machado: organizar em ordem cronológica toda a correspondência do escritor, tanto a escrita por ele como a recebida por ele ao longo de 50 anos de vida intelectual. O primeiro volume do trabalho, Correspondência de Machado de Assis, Tomo I (1860-1869) , sairá em outubro. São 90 cartas. O segundo, previsto para 2009, contém oito centenas de cartas e cobre os 40 anos restantes.
O Machado de Assis que emerge dessas cartas é um personagem novo, distante dos estereótipos que nos habituamos a estudar na escola. Trata-se de um dândi, um jornalista e poeta empolgado com a frenética vida social e boêmia do Rio de Janeiro imperial. Ele sai com atrizes de teatro, conta suas aventuras aos amigos, divide confidências e dá conselhos. Num sinal de que estava bem à frente de seu tempo, sugere à noiva a leitura de um compêndio feminista. A um amigo distante, filosofa sobre a podridão do comportamento humano e a vida na cidade. De modo maroto, esquiva-se das ordens dos caciques políticos que chefiam o jornal em que trabalha, o Diário do Rio de Janeiro. Ele é um Machado que, mais que tudo, desce do monumento da academia e vai às ruas, rejuvenescido.
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