Recente incidente divulgado na Imprensa, ocorrido no morro da Providência, no Rio de Janeiro, no qual teria havido a entrega, por parte de militares, de três moradores daquela comunidade para traficantes de morro vizinho, culminando com a morte daqueles, recrudesceu a discussão acerca da conveniência e possibilidade da participação das Forças Armadas em ações de segurança pública. O tema tem se situado em uma área de penumbra e de incerteza, sendo poucos os estudos jurídicos a ele dedicados.
De início, vale asseverar que as Forças Armadas não estão expressamente previstas no rol dos órgãos de segurança pública presente do artigo 144 da Constituição Federal. No entanto, pode-se vislumbrar fundamento constitucional na sua participação na segurança no disposto no artigo 142, que estatui que as Forças Armadas se destinam não só à defesa da Pátria, mas também à "garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem".
Verificado o embasamento constitucional possível, percebe-se que há no ordenamento jurídico pátrio, fundamentalmente, seis formas de as Forças Armadas executarem operações de segurança pública.
Três delas implicam na relativização temporária da autonomia estadual e na restrição a direitos fundamentais, se submetendo, por isso, a rígido controle político congressual e, em regra, apenas podendo vigorar durante curtos períodos de tempo e em locais estritamente determinados, além de impossibilitarem a alteração da Constituição durante a sua vigência.
São elas ações voltadas à preservação do equilíbrio federativo ou à defesa da ordem democrática, nas seguintes situações contempladas pela Constituição: a decretação de intervenção, a decretação de estado de defesa e a decretação de estado de sítio.
As outras três hipóteses se relacionam a situações menos drásticas do ponto de vista institucional, não consubstanciando medidas de legalidade excepcional, mas são igualmente relevantes para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, incluindo: a realização de ações de segurança quando predomina o interesse nacional ou internacional, particularmente nos eventos que contem com a participação de chefes de Estado ou de governo estrangeiro, ou à realização de pleitos eleitorais, nesse caso, quando solicitado, na forma do art. 5º, parágrafo único do Decreto 3.897/2001; o policiamento ostensivo e de choque por solicitação do Governados de Estado, previsto na Lei Complementar 97/1999 e; para cumprir diligências determinadas no âmbito de inquérito policial militar, na forma prevista no Código de Processo Penal Militar (artigo 144, parágrafo 4º, da CF/88).
Destaca-se, pela sua peculiaridade, a segunda hipótese, que é a de execução de ações de policiamento ostensivo e de choque a pedido do governador de Estado, nos termos da Lei Complementar 97/99, situação ocorrida no Estado do Rio de Janeiro recentemente. Na hipótese, se pode vislumbrar compatibilidade com o Texto Constitucional, com fulcro no arranjo cooperativo, reflexo do modelo de federalismo adotado no Brasil.
Anotadas as hipóteses possíveis, necessário ressaltar que a Constituição Federal de 1988, ao instituir um Estado democrático de direito, concebe as políticas de segurança pública como serviço público a ser universalizado em condições de igualdade, não como combate bélico a inimigos internos. Nessa perspectiva, a utilização rotineira das Forças Armadas na realização de ações de segurança pública se mostra descabida. Não é para isso que os militares são formados.
Disso não deriva, entretanto, a impossibilidade absoluta de o Estado lançar mão do poder militar federal, quando tal se mostrar necessário, pela circunstância de os meios normais de garantia da segurança regionais se denotarem insuficientes. É sob esse prisma, da atuação restrita a momentos de necessidade, em que a ordem pública esteja efetivamente em risco, que deve ser concebida a execução de ações de segurança pública pelas Forças Armadas.
Portanto, à luz de sua precípua destinação constitucional, que é a "defesa da Pátria", isto é, a preservação da soberania nacional contra agressões externas, e de considerações institucionais, inclusive as relacionadas com a tutela dos direitos fundamentais, os princípios do Estado democrático de direito e o respeito à Federação e à autonomia estadual, que se deve conceber a execução pelas Forças Armadas de operações de segurança como exceção, que só se justifica em casos de relevante necessidade, ou seja, nas hipóteses restritas em que o risco para a ordem pública seja grave e o Estado-membro seja incapaz de garanti-la.
Arthur Pinheiro Chaves é juiz federal substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará
De início, vale asseverar que as Forças Armadas não estão expressamente previstas no rol dos órgãos de segurança pública presente do artigo 144 da Constituição Federal. No entanto, pode-se vislumbrar fundamento constitucional na sua participação na segurança no disposto no artigo 142, que estatui que as Forças Armadas se destinam não só à defesa da Pátria, mas também à "garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem".
Verificado o embasamento constitucional possível, percebe-se que há no ordenamento jurídico pátrio, fundamentalmente, seis formas de as Forças Armadas executarem operações de segurança pública.
Três delas implicam na relativização temporária da autonomia estadual e na restrição a direitos fundamentais, se submetendo, por isso, a rígido controle político congressual e, em regra, apenas podendo vigorar durante curtos períodos de tempo e em locais estritamente determinados, além de impossibilitarem a alteração da Constituição durante a sua vigência.
São elas ações voltadas à preservação do equilíbrio federativo ou à defesa da ordem democrática, nas seguintes situações contempladas pela Constituição: a decretação de intervenção, a decretação de estado de defesa e a decretação de estado de sítio.
As outras três hipóteses se relacionam a situações menos drásticas do ponto de vista institucional, não consubstanciando medidas de legalidade excepcional, mas são igualmente relevantes para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, incluindo: a realização de ações de segurança quando predomina o interesse nacional ou internacional, particularmente nos eventos que contem com a participação de chefes de Estado ou de governo estrangeiro, ou à realização de pleitos eleitorais, nesse caso, quando solicitado, na forma do art. 5º, parágrafo único do Decreto 3.897/2001; o policiamento ostensivo e de choque por solicitação do Governados de Estado, previsto na Lei Complementar 97/1999 e; para cumprir diligências determinadas no âmbito de inquérito policial militar, na forma prevista no Código de Processo Penal Militar (artigo 144, parágrafo 4º, da CF/88).
Destaca-se, pela sua peculiaridade, a segunda hipótese, que é a de execução de ações de policiamento ostensivo e de choque a pedido do governador de Estado, nos termos da Lei Complementar 97/99, situação ocorrida no Estado do Rio de Janeiro recentemente. Na hipótese, se pode vislumbrar compatibilidade com o Texto Constitucional, com fulcro no arranjo cooperativo, reflexo do modelo de federalismo adotado no Brasil.
Anotadas as hipóteses possíveis, necessário ressaltar que a Constituição Federal de 1988, ao instituir um Estado democrático de direito, concebe as políticas de segurança pública como serviço público a ser universalizado em condições de igualdade, não como combate bélico a inimigos internos. Nessa perspectiva, a utilização rotineira das Forças Armadas na realização de ações de segurança pública se mostra descabida. Não é para isso que os militares são formados.
Disso não deriva, entretanto, a impossibilidade absoluta de o Estado lançar mão do poder militar federal, quando tal se mostrar necessário, pela circunstância de os meios normais de garantia da segurança regionais se denotarem insuficientes. É sob esse prisma, da atuação restrita a momentos de necessidade, em que a ordem pública esteja efetivamente em risco, que deve ser concebida a execução de ações de segurança pública pelas Forças Armadas.
Portanto, à luz de sua precípua destinação constitucional, que é a "defesa da Pátria", isto é, a preservação da soberania nacional contra agressões externas, e de considerações institucionais, inclusive as relacionadas com a tutela dos direitos fundamentais, os princípios do Estado democrático de direito e o respeito à Federação e à autonomia estadual, que se deve conceber a execução pelas Forças Armadas de operações de segurança como exceção, que só se justifica em casos de relevante necessidade, ou seja, nas hipóteses restritas em que o risco para a ordem pública seja grave e o Estado-membro seja incapaz de garanti-la.
Arthur Pinheiro Chaves é juiz federal substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará
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