segunda-feira, 24 de março de 2008

O “morto” era um Judas. O “corpo” era de um Judas.


Feriadões costumam deixar redações de jornais em polvorosa.
Às vezes, a coisa fica tão vasqueira, a pauta fica tão deserta que bate nos editores aquela sensação de que não vai dar pra fechar a edição do dia seguinte.
Por isso é que, nessas ocasiões, dá-se relevância a tudo – ou a quase tudo. Não é nem preciso o homem morder o cachorro para a notícia ganhar as manchetes. Como não tem nada, até mesmo se o latido de um cachorro for um pouquinho mais forte, já emplaca um bom destaque na página. Sempre foi assim.
Pois foi assim também na última sexta-feira. Num jornal de Belém, a Editoria de Polícia era um Saara de ocorrências. Não pintava nada. Nem um assaltozinho sequer, nem um furto – daqueles básicos -, nem uma briga entre vizinhos alcoolizados. Nada. Era ligar para as delegacias de polícia e ouvir do investigador ou do delegado de plantão: “Por aqui, tudo calmo” – para a desolação do repórter e muito mais do editor, com seis páginas em branco por fechar.
Eis que na sexta-feira mesmo pintou uma matéria. Aliás, uma matéria não: era a ma-té-ria. Era a salvação da pátria. Era preciso investir nela com todas as forças.
E quem telefonou para a redação do jornal foi um de seus 25 editores de polícia, cara bonachão, vozeirão capaz de fazer cristal trincar-se apenas com um “bom dia”, sotaque carregado daquele baianês característico e inconfundível. E bom amigo, desses que quando o encontram vai logo perguntando: “Como vai sua mãezinha, meu amorzinho?” Assim é o editor.
Eram 23h30. O editor, que já saíra do jornal, encontrava-se num bar e soube que havia um corpo estendido no chão, às proximidades. Não contou conversa: preocupado com a possibilidade de que o veículo em que trabalha tomasse um “furo” dos concorrentes, levantou-se e foi ao local pessoalmente, para conferir se o presunto era mesmo um presunto.
E era. Ele tinha certeza que era. Como era um cadáver, passou a mão no telefone e ligou para a redação. A repórter de polícia atendeu:
- Minha filhinha, sou eu – disse o editor, o vozeirão mal disfarçando o prazer da notícia num final de noite, em pleno feriado. – Tem um cadáver estirado aqui perto.
- Mas é um corpo mesmo? – indagou a repórter.
- Claro que é, meu amorzinho. Claro que é. Estou a 20 metros do local. É um corpo, sim, tem muita gente. Tem até velas, mas até agora nada de polícia para isolar à área. Vem pra cá. O corpo está aqui às margens da rodovia Augusto Montenegro, em frente à invasão Carmelândia.
Repórter e fotógrafo se abalaram até o local. A jato.
Quando chegaram, estava lá o “corpo” - de forrado de jornal, manchado de molho de tomate (para simular o sangue) e velado por vários amigos, todos alcoolizados.
Não era um corpo. Ou era. Mas era o corpo de um Judas. Um Judas “em pessoa”, digamos assim. - Dona. Aqui no Carmelândia também malhamos o Judas! – provocou, diante da repórter e do fotógrafo, um dos gaiatos, um dos amigos do “morto”.
Pelo sim, pelo não, o registro fotográfico foi feito. E está aí em cima, na foto de Elivaldo Pamplona, para que não pensem que é invenção. Na foto, aparecem o Judas morto e seus amigos, que, como se vê, não parecem muito consternados.
Consternados ficaram repórter e fotógrafo, que voltaram para a modorra, para o insosso que é uma redação de jornal em noite de feriado.
E o editor? O editor, da mesa de bar, ligou depois para o jornal para confirmar o “furo”.
- Não era um corpo. Era um Judas malhado. Era só uma gozação dos gaiatos de lá do Carmelândia – respondeu a repórter.
- Pôxa, minha filhinha. Ainda bem. Então vou continuar a beber para festejar que era só um Judas. É preciso festejar, meu amozinho. A violência está horrível.

Um comentário:

Unknown disse...

COMO SE DEFENDER DOS BANDIDOS
CONHECENDO A SUA LINGUAGAEM



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