sábado, 9 de fevereiro de 2008

Ordem e progresso



O propósito da sociedade deve ser a felicidade comum. Com base nisso, instituem-se governos que recebem do povo o poder para ser exercido em seu nome. Portanto, há uma espécie de aliança firmada entre esses dois agentes (povo e governo), atualmente esquecida.
Sustentamos isso porque há quem pense que o governo deve ser mais forte do que aquele que o concebeu, o povo. Imaginam uma criatura maior que o criador. Exemplo são os inúmeros desmandos praticados em todas as esferas públicas, de raízes caudalosas no Brasil, cuja situação nos impõe a indagar se o poder originado do povo não teria sido dado aos governos em dose exagerada.
Embora nosso sistema jurídico-constitucional seja avançado, notadamente em relação ao modelo da tripartição dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), há nele algo equivocado que motiva os excessos. Trata-se da influência de um poder sobre o outro.
Mas será que esse engano é substancial, a ponto de exigir modificações básicas nas estruturas do poder, ou a partir da realidade segundo a qual a sociedade é formada por homens - e, portanto, falíveis - deve-se manter o presente modelo? Acreditamos mais na última hipótese e vamos explicar a razão.
Nossa Constituição alberga um mecanismo chamado de "sistema de freios e contrapesos", em pleno exercício da limitação de competências, a fim de evitar a desarmonia entre os Poderes de Estado. Um passa, então, a exercer poder sobre o outro.
Para melhor entendimento catalogamos, entre muitas, algumas situações que consagram referido instituto: o presidente da República indica os ministros para os tribunais superiores, mas a nomeação deles depende da aprovação dos seus nomes pelo Senado Federal; textos de lei aprovados em ambas as casas do Congresso Nacional podem ser vetados, no todo ou em parte, pelo presidente da República; a fiscalização realizada pelo Legislativo sobre os atos da Administração Pública em geral; e a possibilidade de edição de medidas provisórias, com força de lei, pelo chefe do Poder Executivo Federal, desde que presentes os requisitos da urgência e relevância da matéria.
Esse sistema, do qual decorre um expressivo controle recíproco, talvez não necessite de alterações de base. Todavia, alguém pode julgar imprescindível fazerem-se modificações, especialmente após as notícias referentes ao mensalão (propina paga aos políticos para votarem de acordo com os interesses do governo), da má utilização dos cartões de crédito pelos ministros de Estado e etc.
É certo que um povo tem sempre o direito de rever e de reformar sua Constituição. Ocorre que o equívoco antes narrado não está localizado na estrutura do poder brasileiro (no caso, o sistema de freios e contrapesos), mas sim na ética e/ou na moral do homem, cujo poder usa apenas em seu benefício. Cuida-se, pois, do esquecimento do lema "Ordem e Progresso", tão necessário para aplicar modelos de desenvolvimento social ou econômico.
"Quando o governo viola os direitos do povo, a revolta é para o povo e para cada agrupamento do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres". Isto foi escrito em 1789 na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, depois de decapitados os reis que dominavam a França. Apesar de discordar veementemente da forma violenta proposta nesse conteúdo, lembre-se: tem gente que não pensa assim, pois em passado próximo o preceito da bandeira brasileira ("Ordem e Progresso") serviu para justificar 30 anos de arbítrio em nosso País.

Roberto da Paixão Junior é especialista em Direito do Estado

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