domingo, 17 de fevereiro de 2008

O quinto constitucional deve ser mantido ou acabar?

A recusa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em receber uma lista com seis nomes escolhidos pela Ordem dos Advogados do Brasil para o preenchimento de uma das vagas de ministro reabriu o debate sobre o quinto constitucional.
O tema, aliás, foi mencionado várias vezes, ontem, durante a argüição de candidatos da OAB-PA ao desembargo. E tem estimulado um bom segmento de advogados a radicalizar em relação aos tribunais, que não deveriam, acham alguns, nem mesmo escolher os três das listas sêxtuplas que lhes são remetidas.
O quinto, para quem não sabe, está previsto no artigo 94 da Constituição Federal. É mecanismo que garante a membros do Ministério Público e à classe dos advogados ocuparem 20% das cadeiras dos tribunais estaduais, federais e superiores.
O Estado de S.Paulo de ontem apresentou a seguinte questão: “O princípio do quinto constitucional deve ser mantido?” Vale a pena ler dois posicionamentos, um contra e outra a favor, apresentados por um advogado e dois juízes.

SIM

Tornou-se uma constante em nosso país pregar-se uma panacéia de soluções imediatistas sempre que ocorre aquilo que qualifico como “crises pontuais”. Exemplo maior dessa verdadeira praga é a avalanche de propostas legislativas que surge sempre que um crime de maior repercussão invade o sossego de nossos lares, muitas das vezes insuflado pelo sensacionalismo de parte da mídia, ao que se denominou chamar de legislação do pânico, em sua grande parte supressora de direitos e garantias dos cidadãos.
Da mesma forma, os critérios de preenchimento dos cargos de magistrados nos tribunais e cortes superiores têm sido objeto de constantes críticas, sempre que se apresenta o momento de sua efetivação. Assim é que, a cada nomeação de novo integrante do Supremo Tribunal Federal, surgem dezenas de propostas visando a alterar o regramento constitucional que rege a matéria. Bastou a escolha e nomeação do novo ministro e o problema desaparece, como num passe de mágica.
A bola da vez - mais uma vez - é o quinto constitucional.
Foi só o STJ devolver ao Conselho Federal da OAB lista sêxtupla apresentada para o preenchimento de uma vaga destinada aos advogados, para que os detratores do quinto constitucional voltassem a bradar pela sua imediata extinção.
E, com o devido respeito aos que pensam em contrário, a cada dia que exerço a advocacia convenço-me mais da imprescindibilidade do quinto constitucional na composição dos tribunais, como o mais legítimo instrumento de democratização da prestação jurisdicional.
Como bem definiu o recém-aposentado ministro Peçanha Martins (RDR 33/01), “o quinto constitucional é necessário ao arejamento da magistratura, com a visão ampla das realidades da vida social, a argúcia e a tenacidade na defesa das teses jurídicas sustentadas ao longo do exercício digno da nobre arte”. No seu dizer, “a oxigenação necessária dos tribunais, pela presença dos cavaleiros andantes do direito, advogados e promotores, é velha recomendação de eminentes mestres do direito, dentre os quais destaco Raoul de La Grasserie, que, no seu De la justicie em France et à l’étranger (Paris: Recueil Sirey, 1914), afirmou: “A magistratura é um corpo fechado, enrijecida pela falta de ar e de luz, condenada a verdadeira necrose.”
Prova da importância da advocacia na composição dos tribunais são as memoráveis carreiras de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Evandro Lins e Silva, Aliomar Baleeiro, Victor Nunes Leal, Alfredo Buzaid, Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo Lewandowsky, Humberto Gomes de Barros, César Asfor Rocha, dentre inúmeros outros.
Daí porque não vejo qualquer razão que justifique a extinção do quinto constitucional, que desde 1934 foi introduzido e jamais retirado de nosso texto constitucional.

Marcio Kayatt
Advogado, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP)

NÃO

O Poder Judiciário exerce parcela do poder da cidadania utilizando, como regra geral, um sistema democrático de recrutamento de seus membros: o concurso público. O concurso permite que qualquer bacharel em direito, independentemente de sua classe social, ideologia ou preferência política, integre os quadros do Judiciário brasileiro. Basta estudar.
Entretanto, na composição dos órgãos julgadores de segundo grau e dos Tribunais Superiores, que deveriam ser a continuação administrativa da carreira do juiz de primeiro grau, utiliza-se um sistema que reserva um quinto dos cargos para advogados e membros do Ministério Público. Argumenta-se, na defesa do sistema, que a intervenção desses profissionais renovaria as decisões judiciais e garantiria impessoalidade, transparência e democratização do Judiciário, aproximando-o da sociedade.
Os magistrados que ingressam nos tribunais sem a experiência de terem sido juízes de primeiro grau nunca presidiram audiências nem ouviram depoimentos de testemunhas ou interrogaram réus. Falta-lhes a necessária aproximação com a sociedade e com o povo que anseia pela revisão das sentenças por profissionais com experiência no ato de julgar. Essa forma de recrutamento torna mais difícil o julgamento e pode contribuir para o retardamento da atividade jurisdicional e não para sua agilidade ou renovação.
Os advogados e membros do Ministério Público são essenciais para a formulação de novas teses jurídicas e para a atualização do direito. Esses profissionais, por meio de suas petições iniciais, contestações, razões recursais, promoções e pareceres, contribuem de forma muito mais eficaz para o aprimoramento do direito.
Não há transparência nem impessoalidade nas indicações feitas, diante da ausência de regras específicas para o processo de inscrição de candidatos ou da definição, em voto aberto e fundamento, dos motivos que levam à seleção de um pretendente em detrimento de outros.
A opção nada impessoal e transparente do compromisso político, muitas vezes necessário para a nomeação pela chefia do Poder Executivo, pode configurar elemento de politização das decisões judiciais e não de seu aprimoramento.
A implantação do controle externo do Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça, possibilita que a advocacia, o Ministério Público, os demais Poderes da República e a sociedade civil influam no controle administrativo e no planejamento das atividades do Judiciário brasileiro.
Defendemos a extinção dessa modalidade de reserva de vagas no Poder Judiciário para profissionais da advocacia e do Ministério Público, porque não contribui para a democratização da Justiça.

Juiz Mozart Valadares
Presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros)
Juiz Cláudio Dell’Orto
Vice-presidente de Comunicação da AMB

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