Esse é o título de editorial de O ESTADO DE S.PAULO deste domingo. Leia abaixo:
A população de Tailândia (PA) fez um movimento para nenhum militante do MST botar defeito: cerca de 2 mil pessoas, mobilizadas pelas madeireiras locais, realizaram um grande protesto contra a fiscalização da Secretaria do Meio Ambiente do Pará e do Ibama. Ocuparam as ruas, bloquearam a rodovia PA-150 e interditaram a ponte que dá acesso à cidade. Em razão do clima extremamente tenso, que poderia gerar violência de graves conseqüências, os agentes da fiscalização tiveram que sair da cidade. A Polícia Militar teve que conter a tentativa de invasão da prefeitura, intervir para libertar fiscais detidos por trabalhadores de uma das madeireiras e impedir a desordem geral que poderia causar aquele movimento, quando o comércio fechou as portas, por solidariedade aos “militantes” ou por medo de ser alvo de vandalismo.
A razão de tudo isso foi a megaoperação iniciada no dia 11, quando foram autuadas 7 serrarias e apreendidos mais de 13 mil metros cúbicos de madeira ilegal. Mobilizada pelas madeireiras, que dispensaram seus empregados alegando que não haveria mais emprego para eles por causa dos órgãos ambientais, a população reagiu para impedir a retirada da madeira apreendida. Compreende-se a angústia de uma população dependente de um negócio ilegal, como o desmate irregular. Em Tailândia há cerca de 150 serrarias que empregam de 2 mil a 3 mil pessoas - sua economia depende, assim, do pólo madeireiro.
A governadora do Pará, Ana Julia Carepa (PT), dá uma explicação sobre a mobilização dos “militantes” do desmate: “Antes, quando a madeira era apreendida, muitas vezes o próprio madeireiro era o fiel depositário, e acabava usando e requentando a madeira. Agora isso não vai acontecer” - disse a governadora, assegurando que vai retirar o material apreendido de Tailândia. Eis aí uma ilustração das conseqüências da burla da lei, que se torna hábito arraigado, a ponto de as tentativas de correção, ou de se fazer com que a obediência à lei prevaleça, acarretarem sempre grandes transtornos socioeconômicos para as comunidades. O próprio infrator tornar-se “fiel depositário” de seu material ilegal e o fato de poder “esquentá-lo” - e lembremo-nos de que este é um dos casos de prisão civil previstos em nossa legislação - já mostra a que ponto a lei se torna um faz-de-conta, neste país de fábula.
Cogitar-se das conseqüências “sociais” - em termos de perda de empregos - de o poder público exigir o cumprimento da lei, fiscalizando e punindo os que a desrespeitam (como no caso da devastação de florestas para a extração ilegal de madeira) assemelha-se à preocupação com o direito à moradia, nas grandes cidades, de milhares de pessoas que ocupam loteamentos clandestinos nos mananciais. O poder público tem que impor sacrifícios a uma comunidade - que se mantém por atividade exercida em desacordo com a lei - em benefício da comunidade maior. A proibição do desmatamento pode prejudicar a atividade de muita gente, é verdade, mas tem que ser feita em proteção ao meio ambiente e ao ecossistema dos quais depende, em última instância, a sociedade inteira, nacional e internacional. Eis por que cabe ao poder público buscar e/ou estimular formas alternativas de sustentabilidade para essas comunidades. O que não cabe é a permanência no falso dilema: dar emprego ou cumprir a lei.
A proibição da exploração predatória dos recursos naturais pode ser dolorosa, como a ingestão de um remédio amargo, mas nem por isso deixa de ser indispensável. Especialmente nos dias que correm, quando as contestações às teses do aquecimento global perduram, mas parecem cada vez menos consistentes, é dever dos poderes públicos preservar, na melhor medida, os recursos naturais, para que deles não venham a estar injustamente destituídas as futuras gerações. E, como não se pode deixar de considerar as necessidades de sobrevivência e desenvolvimento das gerações atuais - especialmente dos grupos sociais que habitam regiões problemáticas, em termos de preservação ambiental, pois essa desconsideração seria uma outra face da injustiça -, o que resta ao poder público é exercer, da melhor maneira, a pedagogia da sustentabilidade, em benefício das gerações atuais e futuras.
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