domingo, 6 de janeiro de 2008

Os muros da intransigência


SERGIO BARRA

O Brasil vive marcado pela tragédia, violência, latrocínios, atentados, assaltos e crimes brutais que assustam e viram rotinas. 2007 foi marcado por um aumento na já grande sensação de insegurança que toma conta dos brasileiros e particularmente dos paraenses. O que nos entristece e nos deixa arredios é que muitos desses crimes são cometidos pela própria polícia. O povo vive refém da insegurança e teme a brutalidade dos bandidos.
O que se tem observado nas grandes capitais é que elas são impotentes, quando a bandidagem promove ações orquestradas dentro dos presídios, por elementos de alta periculosidade que portam celulares e comandam rebeliões nas casas de detenção, deixando atônitos principalmente os governantes, que não conseguem dar um basta nos atentados. Esses ataques se prolongam e muitas vezes se tornam megarrebeliões de difícil controle por parte das forças de segurança.
A todo o momento criamos medos, reais ou imaginários. E nos deparamos com parte da população que cultiva esses "medos" de forma variada. Os estigmas em relação ao universo da criminalidade e, por conseqüência, do sistema penitenciário nos dão uma boa medida dessa realidade. O estudo da criminalidade, da exclusão social, dos sistemas de poder e, por extensão, da intolerância, oferece novas possibilidades para compreendermos melhor o relacionamento interpessoal e, por continuidade, a sociedade em que vivemos.
Esse raciocínio acima serve para exemplificar o que ocorreu no dia 2 de 0utubro de1992, no "Massacre do Carandiru", episódio em que morreram 111 presos. A imagem que tínhamos naquele momento acerca do perfil do preso era da intolerância. E quando se soube que a maioria dos presos que cumpria pena em estabelecimentos penitenciários era composta por brancos, jovens e nascidos na capital paulista, caiu por terra a imagem do preso negro vindo do Nordeste. Outro estereótipo a ser quebrado é o que associa a imagem do preso homicida, já que a maioria dos que estão encarcerados o foram por terem cometido crimes contra o patrimônio, e não contra a pessoa.
A questão do sistema penitenciário no Brasil gera controvérsias, preconceitos e emoções, associadas muitas vezes a experiências pessoais ligadas à violência já sofrida. Dificilmente o cidadão comum pensa no sistema penitenciário sob o prisma da recuperação, da retomada de consciência, da falta de perspectiva do preso ou mesmo da possibilidade deste vir a trabalhar dentro ou fora da prisão. As imagens ligadas às penitenciárias são negativas, e muitos atribuem ao preso a revolta, a vingança, mortes, rebeliões e fugas. O preso é associado a tudo de ruim que existe na sociedade. O momento é de reflexão e de criar instrumentos ao dispor do Estado para a correção do cidadão praticante de delito.
Aos reclusos a sociedade atribui a imagem do "marginal". Essa construção da mentalidade excludente envolve aspectos e graus de aceitação, exclusão e separação, sendo estabelecida por pontos de vista estruturais, espaciais ou ideológicos, que definem, em última instância, a utilidade do indivíduo na sociedade.
A exclusão social, o preconceito e a intolerância são fatos inquestionáveis na história brasileira. Cabe aos que fazem cumprir a lei a sensibilidade de implementar os instrumentos legais para a correção do problema. E, mais do que isso, modificar as imagens "demoníacas" associadas aos presidiários e ex-presidiários do Brasil. Precisamos transpor as fronteiras do preconceito e da intolerância para enxergar com mais clareza fenômenos sociais como o da criminalidade.

Sergio Barra é médico e professor

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