Dá boa liga a mistura de arte política e bons políticos. A política, num passado recente, teve seus momentos de arte. Quem não se lembra de Ulysses Guimarães (na foto), Paulo Brossard, Teotônio Vilela, Miguel Arraes, etc! Eles passavam lá da tribuna um fascínio único, que nos orgulhavam e encantavam multidões. Havia neles uma química, onde a mistura de forma e conteúdo estava sempre dentro dos limites de normalidade. Convivíamos com eles sem nos desgastarmos na simples tentativa de vê-los se pronunciarem enquanto assistíamos tevê. À época, estávamos saindo do regime ditatorial. A alusão a um tempo de incertezas. Foi com a dignidade deles que aprendemos que a democracia ainda é a melhor forma de governo.
Não pode dar uma boa liga e nem uma mistura de forma e conteúdo quando se fala de políticos donos de um passado marcado por cassação e casos de corrupção; José Roberto Arruda (PR) e Luiz Estevão (PRTB) se unem na corrida ao governo do Distrito Federal (DF) num explícito deboche à lei da Ficha Limpa. E, pasmem, da Penitenciária da Papuda o ex-deputado Valdemar da Costa Neto recebeu pedido para mobilizar interlocutores a convencer o ex-governador do DF Arruda a desistir de disputar o Palácio do Buriti. O PR está em avançadas negociações para compor o palanque com o PT, e o DF é território importante na costura das alianças que têm impacto na eleição nacional.
E o “mensalão do DEM”? Vai? Ademais, a 7ª Vara Criminal de Brasília aceitou a denúncia do Ministério Público do DF contra os ex-governadores Arruda e Paulo Octávio, além de outros 17 acusados de participação nos crimes do chamado “mensalão do DEM”. Entre os réus figura o operador e delator do esquema – que entregou ao Ministério Público Federal vídeos em que Arruda aparece recebendo propina–, o ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa. Segundo denúncia, o grupo era abastecido com recursos desviados de contratos de informática do governo distrital. A promotoria pede a condenação dos réus por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. E a devolução de R$ 739,5 milhões aos cofres públicos.
A Polícia Civil prendeu, no último dia 2, o ex-vice-governador e empresário Paulo Octávio, um dos maiores empreendedores imobiliários de Brasília, flagrado em comprometedoras conversas telefônicas grampeadas pela Operação Átrio. Ele é acusado de corromper agentes públicos para a liberação de alvarás das obras. Octávio também é réu no processo do “mensalão do DEM”, que levou à renúncia do ex-governador Arruda, em 2010, e do próprio empresário, que chegou a assumir o cargo, por 12 dias, na condição de vice.
Além disso, a história recente do País mostra que escândalos de corrupção não escolhem partidos ou ideologias. Na verdade, poucos homens públicos, hoje, são capazes de ostentar um currículo sem nenhuma mácula. Dois personagens, no entanto, possuem o dom de superar os seus pares pela insistência em não deixar de frequentar as páginas policiais, como se tivessem uma compulsão pelo malfeito. Arruda e Estevão, este ano, numa composição política que desafia a lei da Ficha Limpa e o bom senso do eleitor, marcharão juntos na campanha eleitoral ao governo do DF.
Eles conseguem ser uma dupla cuja impunidade incomoda as pessoas de bem. Exibem trajetória e comportamentos parecidos e estão sempre a postos para reiniciar um novo ciclo vicioso, que só não foi interrompido até hoje por conta da impunidade e da morosidade da Justiça. As semelhanças entre eles são evidentes. Ambos debutaram na vida pública em Brasília, pertencem à mesma geração de políticos, foram flagrados em práticas ilegais, condenados e presos. Arruda, aliás, foi o primeiro governador preso no exercício do mandato. Estevão, o primeiro senador cassado na História do País. Um país em que ladrões de pacotes de bolachas vão rapidamente para a cadeia. E políticos corruptos? Ah! “nossos sonhos não cabem nas vossas urnas”.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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