Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede
Estado temos de sobra. Rico, riquíssimo. Tanto, que a maior desigualdade da renda brasileira não está, como insistem cronistas e analistas, entre as regiões ou entre as classes sociais. Está entre a União Federal e a nação brasileira. O Estado é rico, o Brasil é pobre. A União toma de cada brasileiro três meses de trabalho. Entre a nação brasileira e seu Estado existe um abismo cruzado por uma única e frágil ponte chamada Congresso Nacional. O que nos falta é aterrar esse buraco, reduzir esse abismo, de forma que essa ponte se transforme numa estrada. Sólida, segura e no chão plano.
Recursos naturais temos, e isto nunca é demais. O que nos falta é usá-los com cuidado. Porque nós também temos predadores demais. Do empresário que desmata ao lavrador que queima. Da empresa de navegação que derrama óleo na água ao passageiro que joga lixo no mar ou no rio. Da autoridade que permite o lixão ao morador que joga lixo na rua. Do pescador que usa rede de malha fina à empresa que usa boto como isca de pesca. Do garimpeiro à grande mineradora, contaminando tudo em volta da jazida.
Religião temos, um leque diverso e variado de ismos e divindades. O que nos falta é cumprir seus princípios. Vivemos barganhando com a divindade da vez. Ou o seu intermediário. Há promessas, despachos, oferendas até demais. O que nos falta é caridade, solidariedade, bondade e compaixão. Menos egoísmo e mais partilha. Menos julgamentos e mais misericórdia.
Grades temos, tantas e diversas que até a antiga profissão de ferreiro, que se acreditava arquivada com a chegada do aço e do alumínio, ressuscitou seus foles e fornalhas, agora na forma de maçaricos. O que nos faltam são as chaves para abri-las: o respeito com a coisa alheia, com o bem público, o controle da tentação.
Leis temos, até demais. O que nos falta é o cumprimento delas. Nossas leis são compridas e não cumpridas – exceto a lei geral da Copa, que permite a concessão de 180 patentes para a Fifa (até da palavra “pagode”, vejam só!) sem passar pela burocracia que atormenta os inventores e empresas brasileiras.
Polícia temos, até demais. O que nos falta é eficiência. Nossa polícia é a do depois: os inquéritos se abrem, mas em sua maioria não fecham. Não se previne, se reprime. Depois do crime cometido. Depois do sofrimento da vítima.
Judiciário temos, e bastante. As cortes da Justiça em Brasília são, realmente, cortes. É só olhar as marmorizadas e granitadas sedes dos tribunais superiores, que a maioria da população nem sabe quantos são. Falta vergonha para eles, sobra dela para nós: hão de convir que ter três desembargadores afastados por suspeita de corrupção é demais. Isto é o Tribunal de Justiça do Pará.
Música e ritmo, temos de montão. Faz parte do nosso dia a dia. O que nos falta é reduzir o volume do som posto na porta da casa, no carro, no bar ou na boate.
De tudo temos, e muito. Mas vivemos mal, porque tudo nos falta.
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