segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Do céu ao inferno


Desempregada, a ex-secretária do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, nunca foi uma mulher de posses. Com um salário bruto de R$ 12 mil - ela declarou à Polícia Federal seus bens e disse que dependia exclusivamente do salário para se manter -, comprou dois bons apartamentos por R$ 370 mil, trocou de carro, criou uma empresa de construção civil, rodou o mundo em incontáveis viagens, até ser apanhada deslizando na crista da onda de uma quadrilha que negociava facilidades no governo sem nenhum constrangimento. Tudo isso ao longo dos quase cinco anos em que comandou o escritório da Presidência da República em São Paulo.
Rosemary escapou da prisão por muito pouco. Um fato, porém, é indiscutível: ela conhece e tem acesso a quem dá as ordens, conta com um sem número de amigos influentes que se preocupam com seu destino. Desde que foi flagrada traficando interesses no gabinete presidencial, Rosemary vem conseguindo driblar os processos a que responde. Para isso, dispõe do apoio de três grandes bancas de advocacia do país. Escritórios que têm em sua carteira clientes banqueiros, corporações, figurões da República, milionários dispostos a desembolsar o que for preciso para assegurar a melhor defesa que o dinheiro pode comprar. Especialistas estimam que os honorários já alcancem 1 milhão de dólares. Se for algo que se aproxime dessa cifra, a única certeza é de que não é Rosemary que paga seus advogados.
Que os pecados de Rosemary encarnam o que há de pior nas ratoeiras da máquina pública, sobram evidências a comprovar. Ela já foi indiciada por formação de quadrilha, tráfico de influência, corrupção passiva, e também acabou processada pelo próprio governo, após sindicância da Casa Civil rastrear indícios de enriquecimento ilícito nas suas traficâncias. Mas graças a sua estrelada banca de defensores, nada disso, por enquanto, resultou em aborrecimentos.
Um dos amigos ainda presentes na vida da ex-secretária é o ex-presidente Lula, a quem ela costumava chamar apenas de “Luiz Inácio” e “chefe”. Ademais, até hoje, para conversas realmente importantes, Rose, como é chamada pelos colegas mais íntimos, mantém canal direto e seguro com o ex-presidente. Já quando se trata do trivial, conter crises e pendências financeiras, ela usa o celular e telefona para o “P.O.”, como prefere ao se referir a Paulo Okamotto, um faz-tudo de Lula. Caso não tenha essa “proteção” e falta de apoio, ameaça contar detalhes de tudo o que viu e ouviu em mais de uma década nos bastidores da Corte.
Os advogados de Rosemary também têm procuração para atuar na defesa do atual e do ex-marido dela, além de sua filha - trabalho extra que, em situações normais, elevaria ainda mais o valor da fatura. Ela, porém, não parece preocupada. Nas últimas semanas, vem se dedicando a redecorar o próprio apartamento em São Paulo - investimento, segundo os mais íntimos, de frugais R$ 20 mil.
Dia desses, o escândalo voltou à baila. Rosemary foi alvo da Operação Porto Seguro. A Controladoria Geral da União (CGU) destituiu em definitivo do cargo a ex-chefe do Gabinete Regional da Presidência da República em São Paulo. Rosemary não poderá exercer qualquer função pública por pelo menos cinco anos. Foi aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar sua conduta. Foi considerada culpada de receber vantagens oferecidas pelos irmãos Paulo e Rubens Vieira, indicados por ela e nomeados, respectivamente, diretores da Agência Nacional de Águas (ANA), e da Agência Nacional da Viação Civil (Anac). A servidora seria responsável por falsificações de documentos, tráfico de influência e outros malfeitos. Pergunta-se: por que a demissão somente dez meses depois?

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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