sexta-feira, 12 de julho de 2013

"Juiz não pode se trancar numa torre de marfim"

Após quase uma década no Supremo Tribunal Federal, o ministro aposentado Ayres Britto assumiu recentemente a Comissão de Liberdade de Expressão, criada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Em entrevista ao Podcast Rio Bravo, Ayres Britto comenta como o tema, do qual é um entusiasta, deve ser tratado pelo Judiciário. Para ele, a censura imposta à imprensa não só contraria a Constituição, como causa prejuízo à cidadania.
Conhecido também por sua veia poética e filosófica, Ayres Britto se empolga com as manifestações que tomaram as principais cidades do país no mês de junho. Mas reconhece sua complexidade. “O movimento é grande demais para caber na mente cartesiana de cada um de nós.” Entretanto, o ministro aposentado tem reservas à ideia de plebiscito proposta pelo governo para fazer alterações no sistema político do país. “É preciso que a pergunta seja pontual, sobre algo que a população entenda instantaneamente”. Na opinião do ex-ministro, o referendo é uma alternativa melhor.
Presidente do Supremo até novembro de 2012, quando deixou a corte por aposentadoria compulsória, sua gestão ficou marcada pelo julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Mas foi também com Ayres Britto que o STF decidiu questões de ampla repercussão social: o processo que legalizou a união homoafetiva, a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias e o julgamento que confirmou a validade das cotas para negros nas universidades.
Humanista, tal qual seu substituto Luís Roberto Barroso, Ayres Britto defende que a melhoria do Judiciário passa pela melhor formação da magistratura. Isso significa, para ele, que requisitos como reputação ilibada, conhecimento jurídico e até mesmo sensibilidade sejam considerados requisitos de desempenho. “O juiz tem que abrir, mesmo, as janelas do Direito para o mundo circundante. Ele não pode se trancar numa torre de marfim.”
Leia a entrevista:
O senhor tomou posse no último dia 1º de julho como o primeiro presidente da Comissão Especial de Defesa da Liberdade de Expressão da OAB. Qual é a agenda do país nessa área, quais deveriam ser as prioridades do ponto de vista do Judiciário?Há setores do judiciário — minoritários, felizmente — que ainda reagem à ideia da liberdade de imprensa em plenitude e têm suas desconfianças. Toda autoridade e pessoa pública sabem que, a qualquer momento, podem receber uma bordoada da imprensa. Ela pode destroçar uma reputação em minutos, em segundos. A imprensa pode resvalar para a mentira deslavada e até para a crueldade. Mas não há o que fazer. Se você disser que a imprensa tem que ser submetida à censura você vai, primeiro, contrariar a Constituição que não admite censura prévia. Segundo, você vai causar um prejuízo irreparável aos cidadãos, destinatários da liberdade de imprensa. A imprensa é como um passageiro apressado e importante. Não pode aguardar um só instante, tem que subir a escada do avião ou do ônibus e ir embora. A Constituição fez uma ponderação. Ela disse assim: "eu tenho aqui quatro valores fundamentais, quatro direitos fundamentais, quatro bens de personalidade que andam juntos". Quais são? Intimidade, vida privada, honra e imagem. São os quatro valores, teoricamente, mais prejudicados com a liberdade de imprensa.
Por quê?Potencialmente são os valores mais prejudicados com a liberdade de imprensa. Aí a Constituição diz "quais são os valores constitutivos da liberdade de imprensa?". Porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa, não é um dispositivo, uma prescrição jurídica vazia, oca. Tem conteúdo. Quais são os conteúdos da liberdade de imprensa? Aí você diz informação, manifestação do pensamento e liberdade de expressão. Agora, quando a Constituição fala disso, diz o seguinte: "liberdade de expressão, compreendendo a científica, a artística, a intelectual e a comunicacional". Pronto, você tem um bloco de direitos e esses direitos são constitutivos da liberdade de imprensa. E você têm os blocos. O bloco dos direitos constitutivos da honra, imagem, vida privada e intimidade. Mas a Constituição diz "esses dois blocos tendem, no cotidiano, a se friccionar, a se antagonizar, a se atritar. Eu tenho que fazer uma opção". E ela fez. Pela liberdade de imprensa. Claramente no artigo 220, parágrafo primeiro: "nenhuma lei conterá dispositivo que possa causar embaraço a plena liberdade de informação jornalística". Está lá.

2 comentários:

Anônimo disse...

Só falta combinar com os "ruços", digo, os cumpanherus.
Esses são tarados pra "regular" a imprensa.

Parabéns Ayres Britto.

Anônimo disse...

O ministro, e a maioria do STF, cometeram um enorme equívoco no julgamento da lei de imprensa, erro esse alertado pelo ministro Gilmar Mendes. Ocorre que ao considerar toda a lei de imprensa inconstitucional , revogou-se também o capítulo que regulava processo especial para o do direito de resposta, parte da lei que nada tinha de autoritário. Ou seja , a partir de então, para se obter direito de resposta via judicial passou-se a adotar o rito comum do processo civil, que obviamente, na prática, inviabiliza este direito de forma ágil, submetendo-o a uma discussão de anos e anos acabando com a eficácia do instituto, pois resposta depois que ninguém mais se lembra da ofensa e esta já realizou seu objetivo, é inócua. Fechou-se a porta para a censura, mas abriu-se a janela da impunidade.