sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A divisão do Pará

Da jornalista ANA DINIZ, em seu blog Na Rede, sob o título acima:
Estamos às vésperas de um plebiscito para dividir o Pará. E, talvez, seja oportuno refletir um pouco sobre essas questões separatistas.
Um passeio sobre o século XX nos mostra um mundo repleto dessa ansiedade política, particularmente na Europa e na África. Na maioria dos casos a separação se originou da quebra de organizações artificiais de Estados, retomando os povos seus caminhos antigos: foi assim na implosão soviética, com a emancipação da Georgia, Belorus, Casquistão e demais repúblicas sob domínio russo. Em outros casos, ainda na implosão soviética, foram destruídas fronteiras artificiais: foi assim no caso das repúblicas do Báltico, em que sérvios, bósnios, montenegrinos, tchecos e eslavos desfizeram a Tchecoslováquia e a Iugoslávia. Também fronteiras artificiais foram demolidas na África, dividida à força pelos países coloniais em meados do século: Burundi, Burkina Faso, Comores, Sudão do Sul. E alguns movimentos entram pelo século XXI: Chechênia, Cachemira, País Basco, Ossétia.
Componentes étnicos, religiosos e econômicos determinam, geralmente, o impulso separatista, quase sempre marcado por massacres. Esses componentes refletem, por seu turno, a incapacidade de repartir recursos e a intolerância com as diferenças culturais.
Essa incapacidade e essa intolerância, que são, de fato, os problemas a serem enfrentados pelos dois lados da separação, acabam fortalecidos no processo político e vão se rebater em profundidade no novo país. É assim na Georgia, às voltas hoje com dois movimentos separatistas e foi assim que o Burundi independente conseguiu ser o país mais pobre do continente africano.
Claro que o separatismo paraense não se compara com esses grandes movimentos divisionistas. De um modo geral, o separatismo brasileiro não passa de aspirações mais ou menos claras: as organizações paulistas, gaúchas e nordestinas se limitam a estudos e mais estudos sobre o assunto e jamais conseguiram sequer uma passeata consistente. O Pará não foge à regra: às vésperas do plebiscito, a discussão é politicamente correta.
Como não temos conflitos étnicos e nem religiosos, e nem mesmo opressão política, o componente principal do espírito separatista passa a ser o econômico: dividir para assumir completamente os recursos existentes, reter riqueza e viver melhor.
E isso, no século XXI, me parece no mínimo um anacronismo.
É só olhar em torno: nenhuma das repúblicas a sul, leste e oeste da Rússia dispõe livremente de seus recursos. A Europa montou uma verdadeira confederação: nenhum dos países do bloco pode decidir sozinho sobre qualquer recurso estratégico. Passo a passo, os países da Ásia e da América Latina se organizam: já há muitos itens, no Brasil como na Indonésia, onde a consulta prévia aos parceiros é mais que mera diplomacia.
Pode-se dizer: mas o governo, a capacidade de avaliar o sim ou o não, de representar o interesse local? Três fatos recentes mostram a progressiva limitação dos governos num mundo cada vez mais globalizado: o virtual emparedamento de Obama no Congresso americano, o degelo cubano e o não-governo da Bélgica.
Obama viveu um impasse causado pelas relações globais em confronto com a política interna do país. Nenhuma saída, a não ser negociar. E os parlamentares cederam: primeiro a posição internacional, depois o resto. Se o país mais poderoso do mundo vive essa confrontação, imagine-se o que acontece com os outros...
No caso de Cuba, a suspensão dos subsídios que recebia da antiga URSS decretou a necessidade de uma rápida integração a outro bloco. Então todos os férreos princípios comunistas estão desaparecendo: mais dez anos e Cuba estará na economia de mercado, igual a todos os vizinhos. Com certeza não é o que a assembleia cubana ou Raúl Castro gostariam; mas é o que dá para fazer.
E, finalmente, a Bélgica: sem titular de governo há mais de ano, graças ao impasse entre valões e flamengos, continua funcionando quase normalmente. Não deixou de ser país e nem de ser Estado. O que, no início do século XX, promoveria instantaneamente uma intervenção de qualquer potência europeia, hoje é acompanhado com eficiente tranquilidade.
A esses limites impostos pelas redes globais, tanto políticas como econômicas, acrescente-se o verticalismo da estrutura do Estado brasileiro, em que a União detém 65% do volume recursos tributários – e ainda a totalidade dos recursos de subsolo e dos recursos hídricos. Pode-se ver facilmente que a margem de manobra de um governador de Estado, no Brasil, é extremamente estreita. Ele depende, fundamentalmente, da riqueza produzida no seu Estado para fazer-se ouvir. Quanto mais pobre o Estado, mais baixa será sua voz.
Um episódio ocorrido no Pará retrata bem isso. Trata-se da BR-422. Essa rodovia foi aberta com o nome de Transcametá, pelo governo do Estado do Pará, para integrar a região do Baixo Tocantins e permitir o acesso dos produtores rurais aos mercados maiores. Em 2002, diante das enormes dificuldades do governo em manter a rodovia, os parlamentares paraenses conseguiram sua federalização. Quase dez anos depois a estrada continua precária, sem conservação e sem asfalto em 195 dos seus 200 km. Em 2006 foi o governo do Estado que remendou a rodovia, para mantê-la aberta. De vez em quando, um protesto provoca novos remendos – e, nos intervalos, promovem-se rallies de jipes e motos.
Se o Baixo Tocantins fosse um Estado a estrada estaria asfaltada? Provavelmente, não. É só olhar as rodovias do Acre, do Amapá, de Rondônia e de Roraima. A frágil economia desses Estados amazônicos não sustenta suas reinvindicações. E, quando há cortes nos orçamentos federais – o que frequentemente acontece – são os recursos destinados aos Estados com menor população os primeiros a serem sacrificados.
Além disso, a divisão tem-se mostrado ingrata para os novos Estados: Goiás tem o 9º. Produto Interno Bruto brasileiro e sua população muito mais recursos que a do Tocantins: sua renda média é a 12ª do Brasil, enquanto que a do vizinho estado é a 16ª. O PIB do Tocantins é o 24º do Brasil. Pior que ele estão apenas o Amapá, o Acre e Roraima – não por acaso, na Amazônia. No Mato Grosso, verifica-se situação semelhante: enquanto o Mato Grosso ostenta o 14º PIB brasileiro e a 7ª renda média do país, o Mato Grosso do Sul tem o 17º PIB e a 11ª renda média.
O PIB do Pará é, hoje, o 14º do país. O PIB per capita é o 22º - o que significa um patamar pronunciado de pobreza. E, ao contrário do que muitos pensam, são as regiões Metropolitana e Nordeste do Estado que distribuem riqueza para as demais. Segundo o PIB dos municípios, divulgado pelo IBGE em 2009, dentre os 14 municípios de maior produto do Estado, Belém, Barcarena, Ananindeua e Castanhal somam 15% do PIB do Estado, enquanto que Marabá, Parauapebas, Tucuruí, Paragominas, Canaã dos Carajás e Redenção somam 8% e Santarém, Oriximiná, Itaituba e Altamira, apenas 3%.
Ou seja: se houver divisão, os residentes nos novos Estados vão ficar imediatamente mais pobres, porque o fluxo de receita que sai da região mais rica vai ser interrompido. Pior é que isso não quer dizer que os paraenses remanescentes vão melhorar de vida: haverá uma redução de receita e uma fase de desequilíbrio que vai ser dura de superar.
Os governos novos, cheios de limites, como já disse antes, pouco poderão fazer para se contrapor à pobreza.

6 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito Ana. Por isso eu defendo a divisão. A riqueza está concentrada aqui e não na região separatista. Logo, se o Tapajós e Carajás querem a separacão, melhor para nós da região metropolitana, pois teremos mais recursos para o Pará dividido e, consequentemente, mais saúde, educacão, estradas etc. E se o petróleo encontrado no Salgado for viável economicamente, melhor ainda. A campanha do não é suicídio para Belém que continuará igual ao que está - ou pior.

Anônimo disse...

Desculpe mas vc tá enganado, anônimo das 08.37.
Ninguém ganha com a divisão do Pará. Todos perdem.
O que os divisionistas apelidaram de Novo Pará, caso ocorresse a divisão, seria mais um estado "nordestinizado". Sem as florestas, que ficariam no Tapajós,nós, paraenses, estaríamos na Amazônia sem ser Amazônia. Sem potencial energético (que iria também para o tapajós) e sem os recursos minerais, como falar de futuro?
Alias, pra terminar, pergunte a um fazendeiro do sul do Pará (onde a concetração de terras é altíssima) se algum deles quer dividir as próprias terras...
Essa proposta de divisão, amigo, é movida pelos piores e mais perversos interesses. Basta ver quem a defende, olhe a folha
corrida(isso mesmo, folha corrida)das malvadezas que essa gente é capaz de perpetrar.
É NÃO E NÃO. NÃO AO TAPAJÓS, NÃO A CARAJÁS.

Anônimo disse...

ana, vc está enganada.... a falta de desenvolvimento das regiões que querem se emancipar provém da falta de distribuição correta, eficiente e justa dos recursos. O oeste do estado e o sul são totalmente esquecidos e por isso a população quer a emancipação. A receita seria própria e ao invés de alimentar-mos ca capital, os recursos seriam para alimentar as cidades que há décadas esperam por dias melhores....

Paulo Cidmil disse...

prezado anônimo das 11:40 sua mentalidade é forjada por uma concepção extrativista típica do pensamento colonialista. Você como todos os filhos das elites econômicas amazônicas, assim como os que gravitam em torno delas, pensam na amazônia apenas como um banco de recursos naturais, que são explorados graças ao poder econômico e político que exercem, através do qual controlam as principais instâncias de poder.
Esse pensamento é atrasado e também é o principal responsável pela realidade social e econômica do povo amazônida.
você reclama que o Novo Pará ficará desprovido de florestas e recursos minerais, mas nada foi feito para impedir a degradação desses imensos territórios ao sul e nordeste do Pará. Voce não está satisfeito com a divisão porque irá perder territórios, que olha como recursos, e que gostaria de continuar explorando.
De que forma você acha que o povo dessa imensa Amazônia irá se beneficiar com essa saga predatória?
A divisão será melhor para todos, especialmente para o Pará que irá emergir dessa nova realidade.
Um forte abraço tapajoara

Bia disse...

Boa tarde, caro Paulo:

já havia lido o artigo da Ana, brilhante como sempre.

Aqui com minhas saias de cidadã paraense por escolha e reconhecida por diploma da Assembléia Legislativa, penso que a divisão do Pará me leva a perder nosso hino, sem as ricas florestas e os rios gigantes e que a corda do Círio jamais vai ser a mesma, num Pará tripartido.

Como voltaremos a cantar que "esse rio é minha rua"..?

Que "muro de Berlim" vai nos separar dos amigos, parentes e conhecidos do Tapajós e de Carajás?

Vamos esquecer o bolinho de piracuí? E a piabanha da vazante do Tocantins?

Vamos mesmo nos fragilizar frente à VALE, detentora das áreas minerais de Carajás? O Tapajós vai se sobrepor sozinho - com sua área de 75% de reservas florestais e terras indígenas que permitiria à região um projeto de desenvolvimento sustentável com foco no meio ambiente - e enfrentar os sojeiros subindo a BR-163?

Não me atenho aos dados estatístiscos, nem à divisão do PIB, do ICMS, do FPM. Acredito que na divisão quem perde são os mesmos de hoje no Pará unido. Quem ganhará serão os mesmos que hoje já ganham: a elite empresarial e política das três regiões.

Ontem li um artigo de um geógrafo paulista, José Donizete Cazzolato, afirmando que a divisão do Pará é boa para ....o Brasil.

Sinceramente, temos sido sempre muito bons para o Brasil. Quem sabe não é a hora de sermos, primeiramente, bons para nós mesmos?

Desculpe o desabafo para um santareno, mas somos amigos de fé, eu sei.

Abração, irmão.

Anônimo disse...

DIVIDIR O PARÁ É MELHOR PARA O POVO E PIOR PARA OS POLÍTICOS CORRUPTOS
Me convenci,depois que li a manifestação do anônimo do dia 14/10/11 das 11:40, que para o bem estar social presente e futuro do povo é melhor dividir o atual Estado do Pará.Em primeiro lugar,porque essa história de que todos perdem com a divisão é papo furado, pois, a bem da verdade, quem de fato vai perder são os políticos que se acostumaram nestes últimos 16 anos de governo ou desgoverno a promover a corrupção dos recursos públicos enriquecendo a si, parentes e amigos, sem a menor preocupação em satisfazer as necessidades reais da população de forma eficaz no que diz respeito aos direitos sociais relativos à saúde, segurança, emprego, lazer, alimentação,moradia, dentre outros igualmente importantes. E sobre a sangria com o dinheiro público,basta olhar sobre o escândalo ALEPA.
Em segundo lugar, se o anônimo referido representa a opinião dos que defendem o não, percebe-se que seu sentimento aflora de modo flagrantemente discriminatório em relação aos nordestinos em geral. Olhe, anônimo referido,eu sou neto e filho de nordestino, e me orgulho de sê-lo, pois tenho construído com minha família e amigos nordestinos e paraenses uma vida, aos troncos e barrancos, com trabalho e não com a sangria dos recursos públicos. Estou de saco cheio de em tempo de eleições comparecerem políticos pedindo voto e fazendo promessas que se acostumaram a descumpri-las.
Em terceiro lugar,o anônimo acima referido deve ser representante da cultura latifundiária conforme a qual o que importa é manter sob seu poder uma grande área de terra na qual mantem-se também milhares de pessoas na miséria.Esta é a cara social do ATUAL Pará e,por isso, cabe a indagação:QUE ADIANTA MANTER UMA GRANDE ÁREA DE TERRA SEM SUPRIR DE MODO EFICIENTE SOCIALMENTE AS NECESSIDADES DA POPULAÇÃO que nela sobrevive?
Em quarto lugar, os políticos que financiam o não NÃO tem moral para tal, a não ser o INTERESSE de manter os esquemas de corrupção(veja-se novamente o caso ALEPA).
Que o CIDADÃO-POVO compareça às urnas e decida o que deseja para o seu bem-estar presente e futuro, seu e de seus filhos. Escolher o NÃO é escolher políticos e política da corrupção. Escolher o SIM é abrir uma real perspectiva de mudança para promover bem-estar social da população e dividir melhor a renda regionalmente falando.