quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Minha querida Beatriz

Por PAULO CIDMIL, produtor cultural santareno
Beatriz, adorei a forma carinhosa como me tratou, chamando-me de irmão e enviando-me um carinhoso abraço em nosso encontro no Espaço Aberto da blogesfera.
Fiquei surpreso ao ler você lamentando que ficará sem os bolinhos de piracuí e as piabinhas da vazante do Tocantins. Pior foi ouvir que você não poderá mais cantar “esse rio é minha rua..”. Quem disse a você que estamos nos separando? Quem esta colocando na sua cabeça que o plebiscito é um apartheid?! Bia o Tapajós é nosso, o Tocantins é nosso, o piracuí é nosso, o Çairé é nosso, o Festribal é nosso, o Carnapauxis é nosso, todas as praias do Tapajós são nossas; assim como o são o carnaval do Rio, Bahia e Olinda, o tutu à mineira, o churrasco gaucho, o Roberto Carlos e o Sebastião Tapajós. Você não está perdendo nada, mas poderá contribuir para o desenvolvimento de populações que estão pra lá da margem, somos os periféricos da periferia nacional.
Você falou que o plebiscito esta erguendo um muro de Berlin entre nós. Acredito que por influência do texto da jornalista Ana Diniz, que considero equivocado ao abordar o plebiscito fazendo uma correlação entre os movimentos por emancipação de Tapajós e Carajás, com movimentos por criação de estados nacionais mundo afora. Os argumentos de Ana Diniz sim, com suas comparações esdrúxulas, podem produzir o apartheid na cabeça dos desinformados. Só demonstram que a jornalista esta antenada com o que ocorre no mundo e que desconhece o que se passa abaixo do seu nariz.
Ana Diniz acha que o movimento das populações de Tapajós e Carajás é para assumir os recursos existentes nesses territórios, induz a população a acreditar nessa falácia e a pensar que estão subtraindo a riqueza do Pará. No Tapajós nunca presenciei uma discussão cuja pauta fosse os recursos naturais. Nossa luta está pautada nas questões cotidianas como saúde, educação, infra-estrutura, transporte, apoio a produção; que a ausência de políticas públicas e investimentos, aprofundam a interdependência e o isolamento. A discussão sobre os recursos naturais e seu manejo não ultrapassa os muros das universidades.
O povo do Tapajós e calha norte vêem seus filhos crescerem preparando-se para
o dia da partida. Hoje muitos fazem um rito de passagem por Santarém onde cursam uma faculdade, que se diga: as que poderiam ser melhores, não possuem autonomia, seja orçamentária ou de gestão, todos os centros de decisão ficam em Belém e dependem da política paroara. Uma realidade totalmente alheia a nossa determina o que nos cabe nesse latifúndio com o poder fincado na metrópole chamada Belém, onde a lógica da adequação política local elege outras prioridades. O povo que vive no Oeste desse Estado não suporta ver seus filhos partirem em busca de melhores perspectivas.
Antes que você diga que nada garante que um novo Estado trará melhores condições de vida para o nosso povo, quero retornar ao texto da Ana Diniz, que lança mão de dados do IBGE e revela uma parcialidade perigosa para credibilidade de um jornalista. Ao afirmar que a divisão não tem sido boa para as regiões que conquistaram autonomia e mencionar que o PIB do Tocantins (24º) é inferior ao de Goiás (9º) e que o do Mato Grosso (14º) é superior ao do Mato Grosso do Sul (17º), Ana esquece de fazer a comparação fundamental para a discussão desse plebiscito. Qual era o PIB dessas regiões antes de se tornarem novos estados da Federação? Essa é a comparação essencial!
Mas Ana deixa escapar que a renda média da população do Tocantins (16ª) e Mato Grosso do Sul (11ª), ambos novos estados, são bem superiores ao gigante Pará (22ª). E omite que a renda média de Goiás e Mato Grosso cresceram após a divisão. Ana Diniz é fatalista, não vê saídas para Carajás e Tapajós, que se tornarão mais pobres, sendo assim melhor que fique como está.
Não menciona os recursos da União que aportarão nas duas regiões, multiplicado por nove em comparação com os atuais, no caso do Tapajós. Lembro que esses recursos não saem do bolso do povo brasileiro como uma sangria das outras regiões. Serão investimentos justos pelo muito que se tira de Carajás e Tapajós, sendo a União a principal arrecadadora dos tributos.
O sentimento de perda que tomou conta de parte considerável da classe média paraense, meios intelectuais e artísticos, é de uma emotividade e falta de reflexão latente. Ilustra apenas o total desconhecimento das realidades vividas pelas populações do Tapajós e Carajás, o que denota uma absoluta falta de solidariedade com essas populações. Essa mesma classe média, intelectuais e artistas, quando
podem, nunca se voltam para o interior, preferem Rio, Fortaleza, Europa, Caribe e outros centros urbanos do país e do exterior. Desconhecem o Pará dos territórios que almejam autonomia, mas querem, numa atitude egoísta que beira a infantilidade, continuar a olhar o mapa do grande Pará.
Minha querida Bia, você chega a temer pelo Tapajós. Acha que transformado em Estado estará enfraquecido e não terá como conter a ânsia expansionista dos agro negociantes da soja via BR163. Saiba que eles por aqui no Tapajós não fazem o que querem. Em Santarém onde existe um porto graneleiro, sua expansão foi paralisada por não terem realizado o EIMA-RIMA como determina a Lei. Aqui se faz passeata, manifestações, debates; são várias as formas de resistência e fiscalização, pena que a distância não permite termos a população de Belém junto conosco nesse embate.
Também não temos o Estado presente com estrutura à altura, no tamanho da importância estratégica de nosso território. Instituições como IBAMA, FUNAI, ANA, Policia Federal, Ministério Público e outros órgãos fiscalizadores e inibidores da bandidagem, no Tapajós são sub representações, com contingente e estrutura mínima. Sem contar, que diante de um problema, temos que recorrer a Belém, ai perde-se um tempo, e, se for conveniente aos interesses políticos de Belém, o problema chega a Brasília.
Com o Estado do Tapajós a realidade será outra. Todo esse aparato de fiscalização e segurança para o cumprimento da Lei será ampliado, ganhará envergadura de Estado e os movimentos sociais e ambientalistas terão maior suporte para comprovarem e efetivarem suas denuncias. Portando suas preocupações com a sorte dos parques nacionais, reservas indígenas e rios, que somam 75% do território do Tapajós, são infundadas. O Tapajós jamais ficará como está e esta mudança será para melhor.
Confesso que não sei qual a realidade de Carajás, aqui mais uma vez o problema das distâncias a nos separar, de longe me parece um faroeste brabo. Essas sub representações do aparelho do Estado justificam, em parte, esse faroeste. Só sei, que sempre que se recorre à justiça do Pará, ela não consegue encarcerar matador de ambientalista e agricultor, explorador de trabalho escravo, grileiro de terra, invasor de terra indígena e reservas ambientais, madeireiros ilegais; a justiça
paraense, talvez por falta de suporte na apuração dos crimes, tem sido uma mãe para os criminosos.
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Um comentário:

Bia disse...

Bom dia, caro Paulo,

permita-me transcrever aqui a mesma resposta que enviei ao paulo Cdmil para o Blog do Estado.

Abração.



Caro Paulo,
desconte a emoção do meu texto, mas não a desconsidere. Afinal, como disse o grande poeta Paulo Cesar Pinheiro, apesar de tudo “...o importante é que a nossa emoção sobreviva...”
A menção ao muro de Berlim é figurativa, talvez motivada pelo cinismo de Duda Mendonça que produziu um texto magnífico para Betânia interpretar, na campanha contra a divisão da Bahia e declara, no caso do Pará, que fronteiras são imaginárias. Se quiser matar sua curiosidade,está lá no meu Blog (http://travessia.blogs.sapo.pt/292098.html)
Falando em emoção, seu texto é um libelo poético – e em alguns pontos absolutamente correto – do coração tapajônico. E quando fala nos filhos que crescem para partir, para deixar a casa materna, acho que fala de todos os brasileiros sem acesso a bens e serviços públicos, especialmente os mais pobres, como o são as crianças e adolescentes das vilas e centros urbanos e Baião, Mocajuba, Irituia,Piçarra, Rincão (município de São Paulo onde nasceu minha mãe).
E é só com estes que eu me preocupo. Nossa elites empresariais e políticas, daqui e de acolá, vão bem, obrigada. E assim permanecerão, caso a divisão ocorra, pois são sempre unidas em torno dos seus próprios interesses. Agora eu não sei – isto é uma dúvida mesmo e não uma provocação – como a divisão beneficiará o seu Zé, a Dona Maria. Mas sei e acredito que um novo projeto de desenvolvimento democrático, altivo e que – aí, eu insisto – pare de “favorecer” o Brasil e passe a favorecer os brasileiros do Pará inteiro é a nossa redenção.
Você não acredita mais nisso? Eu acho que tem bons motivos. Mas, eu acredito. Não porque minha vida hoje é confortável, porque não piso mais nos igarapés do sudeste e do nordeste do Pará ou porque não preciso cruzar o Erepecurú para estar com os quilombolas do Trombetas. Acredito nisto porque desde que cheguei aqui, em 1977, sabia que o Pará é melhor do que o Brasil.
Nestes dias da discussão sobre a divisão do estado, tenho comentado com amigos que acho que mais uma vê gastamos energia de forma errada: deveríamos estar pugnando pela independência do Pará.

Independência de um Brasil que nos esfola e espolia secularmente. Independência de um Brasil que antepõe todos os projetos de interesse “nacional” aos interesses regionais. Que privilegia a fantástica balança comercial e alimenta a terrível desigualdade regional.
Aqui do alto dos meus 62 anos, nascida em São Paulo e vivendo no Pará desde meus 27, vi chegar a Transamazônica, a Mineração Rio do Norte, o Projeto Grande Carajás, a expansão da PA-150, da BR-163, do INCRA criando e abandonando assentamentos no sul e sudeste do estado e posteriormente inflando com eles o Baixo Amazonas para que os assentados cada vez mais pauperizados, na sua grande maioria, sirvam de mão-de-obra de reserva e barata aos projetos e empresas que vieram e virão.
Sim, Paulo, para servir Belo Monte ou a mineração de Canaã, que eles, os grandes vencedores de todas as batalhas, com suas informações privilegiadíssimas dominam há décadas o presente e o futuro, sem nós.
É essa divisão que me espanta. É a nossa ingenuidade de achar que divididos seremos mais fortes. Mas, que saber realmente meu esejo? Quero que se a divisão for aprovada pelo povo do Pará, que você tenha toda razão.
Um abraço, irmão.