segunda-feira, 14 de março de 2011

A força do livro

Num momento em que a internet – associada a uma forma de comunicação sumária e superficial – aparenta dividir a História do mundo em um antes e um depois, nada mais agradável e confortante que ler livros maravilhosos. Essa defesa apaixonada do impresso diante das profecias que anunciam o triunfo absoluto do formato digital e a extinção dos volumes de papel faz do livro, por razões misteriosas, um vício solitário.
Li recentemente “Não Contem com o Fim do Livro”. Trata-se de uma conversa entre Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, que atravessam pelo menos 5 mil anos de história do livro em uma polêmica erudita e bem-humorada, sábia, curiosa e de bom gosto. Essa conversa é intermediada pelo jornalista Jean-Philippe de Tonnac. A idéia não é apenas entender as transformações difundidas pela adoção do livro eletrônico, mas dar partida a um debate instigante e efetivo a partir dos livros e o amor a eles os salvarão do desaparecimento.
Obviamente que a finalidade das conversas entre Carrière e Eco não era estatuir sobre a natureza das transformações e perturbações talvez anunciadas pela adoção em grande escala (ou não) do livro eletrônico. Essa conversa perderia provavelmente sua pertinência se ignorássemos que eles não são apenas autores, mas também bibliófilos, que dedicaram seu tempo e dinheiro para reunir em suas casas livros raríssimos e muito caros. E o faz antes aqui considerar o livro, como a roda, uma espécie de perfeição insuperável na ordem do imaginário. Quando a civilização inventa a roda, vê-se condenada a se repetir à exaustão.
Quer escolhamos fazer remontar a invenção do livro aos primeiros códices (aproximadamente no século II de nossa era) ou aos rolos de papiros mais antigos, achamo-nos diante de uma ferramenta que, independentemente das mutações que sofreu, mostrou-se de uma extraordinária fidelidade de si mesma. O livro aparece aqui como uma espécie de “roda do saber e do imaginário” que as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não deterão.
Ao longo de cada um dos capítulos, o leitor se dá conta de um intrigante conjunto de descobertas: entre elas, como encontrar e ler bons livros. Na verdade, só saberemos se um livro vale a pena depois da leitura, ou de pelo menos parte da leitura. Mas longe de ser uma dessas dúvidas que parecem absolutamente pessoais, aqui temos o conforto de saber que outros também passam por essas pequenas dificuldades.
Ainda que seja óbvio, mesmo surpreendente, Eco nos faz recordar que os livros são objetos antigos e existem muito antes da imprensa. Como nascemos e convivemos com livros impressos, escapa à nossa consciência a verdade histórica quanto às formas anteriores dos livros, como rolos, na ausência do papel, gravados em pergaminhos. Eco, no entanto, considera que, sob qualquer forma, os livros permitiram que a escrita se personalizasse para representar uma porção da memória, mesmo coletiva, mas selecionada segundo uma perspectiva pessoal.
Um livro que conta uma história de amor infeliz será, ele também, um livro infeliz? E se conta uma história de sexo está submetido à constante excitação? Essa é apenas uma criativa provocação para falar do e-book, o livro eletrônico, recém-nascido, em comparação ao livro tradicional, de papel, ou à versão mais antiga, gravada em pergaminho. Para justificar nossa culpada inclinação, você pode ter com o livro original quase uma relação de pessoa para pessoa.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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