sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O filho enjeitado


O assunto já deve ter sido objeto de análise de algum cientista político. Como modesto jornalista, vou arriscar comentá-lo, em linguagem simples, sem recorrer a citações pedantes ou a alentados tratados sociológicos de doutos cientistas sociais. Trata-se do visível e retumbante fracasso do filme "Lula, o filho do Brasil".
Desde sua estréia, observa-se que o público tem revelado uma "rejeição" colossal e espontânea a esse filme. Em dias da semana passada, no Shopping Pátio Belém, enquanto as filas dobravam com pessoas ávidas para assistir à ficção futurista de Avatar, na sala onde estava sendo exibido "Lula, o filho do Brasil", havia apenas uns dez idosos e aposentados, se tanto, com direito a passe livre.
Perguntei a um deles o que o levara a preferir o filme de Lula. Ele, com certo ar de enfado, apenas comentou: "Olha, no meu caso, é mesmo por falta de opção. Todas as outras sessões estavam lotadas . Então, para "matar o tempo", vou assistir a esse "Filho do Brasil ", até porque não vou pagar ingresso. De graça, até dá pra encarar..."
O que mais chama a atenção é o contraste, em termos de público, com outro filme recente do mesmo gênero, "Os filhos de Francisco", sucesso retumbante de bilheteria em todo o País.
Qual o fato determinante desse contraste?
Nos dois casos, os personagens têm origem humilde e construíram bonita história de vida até conhecerem os holofotes do sucesso e da fama. Então, onde é que o consagrado cineasta Luiz Carlos Barreto teria cometido o erro de avaliação que pode ter sido fatal para um filme que pretendia ser sucesso de bilheteria e de público ?
Arriscamos um palpite: será que o povo brasileiro não acabou desconfiando que essa superprodução do cinema nacional esconde, na verdade, uma tentativa subliminar de promoção "chapa-branca"? Ou o que parece pior: não seria esse filme uma "peça" de propaganda eleitoral destinada a "alavancar" a candidata "ungida" pelo presidente Lula para ser a sua sucessora? Mas, se o filme é sobre Lula, o que Dilma ganharia com ele?
Sabe-se, pelo que foi divulgado, que a produção milionária não contou com recursos públicos. Menos mal. Nesse caso,o prejuízo vai ser arcado apenas pelos empreendedores (não seriam empreiteiros?) que acreditaram no sucesso desse enredo. Um negócio de risco, certamente, para aqueles que, talvez, vislumbrassem menos a arrecadação das bilheterias dos cinemas do que a licitação de algumas vistosas " obras estruturantes" do PAC.
Do episódio pode-se inferir uma lição exemplar para os "gênios" do marketing político e da comunicação dos governos. O povo é mais sábio do que eles avaliam. Ninguém, isento de preconceito, pode negar o carisma e a popularidade do presidente Lula. Mas o povo não é tolo e sabe fazer a diferença entre acontecimentos de "geração espontânea" e os fatos "fabricados" pela manipulação dos ilusionistas da propaganda oficial.
Transferir popularidade é sempre mais complicado do que transferir responsabilidades. Um líder carismático e populista pode descentralizar varias de suas atribuições , delegando-as para seus fiéis escudeiros. De modo geral, cada governante tem a sua Dilma ou o seu Puty de estimação, que gostariam que crescessem à sua imagem e semelhança. São confiáveis e, em tese, não oferecem riscos de uma traição futura.
Em regimes monárquicos, a transferência do poder era mais tranquila, pois sempre prevalecia a vontade imperial, una e indiscutível. Nas democracias, essas escolhas pessoais do governante precisam ser referendadas pelo povo através do voto livre e universal.
E é aí que mora o perigo de que o "script" possa dar errado, pois, como dizia Garrincha, o grande jogador e filósofo popular brasileiro, é preciso, antes, combinar com os russos, no caso, os eleitores...
O presidente Juscelino, o grande estadista brasileiro, que construiu Brasília e consolidou os caminhos da integração nacional, saiu do governo consagrado pelo povo, mas não fez seu sucessor, o Marechal Lott, um oficial cheio de medalhas, mas totalmente inabilitado para o jogo político. Foi facilmente vencido pelo "fenômeno" Jânio Quadros, um bruxo político precursor de Harry Potter, que cavalgando uma vassoura motorizada flex (movida a uísque e cachaça), prometia prender os corruptos e varrer a corrupção do cenário político brasileiro... Acabou renunciando, em noite de homérico porre, deixando como herança maldita para o povo brasileiro a ressaca e a escuridão da ditadura militar...
Voltando ao "Filho do Brasil", o risco de dar errado a transferência da popularidade do presidente para sua candidata pré-fabricada reside justamente na possibilidade de que o povo brasileiro, mesmo reconhecendo os méritos do governo Lula, acabe desconfiando de que Dilma possa se transformar numa "rainha da Inglaterra" ou num produto similar com defeito de fábrica , sem quatro anos de garantia e com validade vencida...
A favor do "script" palaciano, apenas a constatação de que, por enquanto, não apareceu nenhum genérico messiânico de Jânio Quadros ou de Collor no cenário político nacional.

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FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@bol.com.br

3 comentários:

Carlos Mouta disse...

Dor de cotovelo, hê, hê, hê.
Ei Sidou, volta pra rádio tabajara, das organizações Carlos Mentes.

Anônimo disse...

Sidou, companheiro.
Tem duas coisas importantes que você não comentou.
Primeiro, o povão não vai ao cinema. Isso é ponto pacífico. A classe média, sim, vai. Que bom! Pois estava afastada. Os aparelhos de DVD e, infelizmente, a pirataria contribuiram para tal.
Segundo, muita gente nao foi assistir ao filme, não porque é do Lula, ou por causa do preconceito que rola e tal. Até porque, em se tratando de um filme que relata a vida de um presidente que tem uma popularidade inexplicável, seria um mote para explosões de bilheterias.
O pessoal não foi mesmo, Sidou, porque o filme é ruim. E nem se compara, está longe do "Filhos de Francisco".
Se tu fores num congresso petista e te arriscares a fazer uma enquete, pedir pra levantar a mão quem foi ver Lula, o Filho do Brasi, muito menos da metade, te garanto, vai dizer que foi.
É ruim, mano velho, é ruim. Tu foste ver? Eu não fui!
Agora, comparar com eleição 2010, isso já são outros 500.
Abraço,

Cândido Messias disse...

Oi, meu caro Carlos Mouta,

Sai da moita, prezado Mouta.
Entra no mérito da questão retratada. Olha que o Sidou apenas se confessa cético quanto às possibilidades da Dilma. É uma questão simples. Simplesmente porque o sucesso de um projeto político em um país de analfabetos e de DNA procedente de raças as mais diversas, depende, fundamentalmente, de um fator conhecido como CARISMA. Justamente a matéria prima da qual a Dilma se ressente. Como diz o Sidou, a tarefa de transferência do carisma de um líder para se buscar a construção de outro líder á algo que só se processa por obra do divino.