O dr. Wanzeller entrou no MPE, ontem à tarde, como dr. Wanzeller e saiu como Ofélia, aquela que, segundo ela mesma dizia, só abria a boca quando tinha certeza (o que todos nós sabíamos que não era verdade).
Todos tínhamos a forte esperança de que Miguel Wanzeller Rodrigues, o exonerado diretor do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, oferecesse ao Ministério Público do Estado elementos suficientes para ajudar esclarecer denúncia que ele próprio fez, ao ser afastado do cargo por ato da governadora do Estado.
Mas não.
O dr. Wanzeller passou três horas numa sala, trancado com promotores, e à saída mostrou-se como um personagem à procura de um sentido para as denúncias que fez.
Wanzeller, além de parecer-se com a Ofélia, a inesquecível personagem do programa humorístico, agora se parece com os personagens de uma famosa peça de Pirandello, “Seis Personagens à Procura de um Autor”.
A diferença é que, na peça famosa – e fantástica – de Pirandello, seis personagens se põem à procura de um autor, enquanto Wanzeller procura pelo menos uma denúncia para apresentar ao distinto público de forma consistente.
Perícia exige precisão. Sempre.
O dr. Wanzeller é perito.
Como perito, sabe que a precisão é necessária.
O perito é o homem dos detalhes.
O perito é o homem que aproveita um fio de cabelo para construir, para dar sentido, para resgatar os rumos de uma história das mais complexas.
Para um perito, um ponto, um sinal qualquer, imperceptível para o leigo, pode mostrar-se decisivo para que se compreenda um crime dos mais complexos.
Esse é o perito.
Não pense o dr. Wanzeller que, por ser perito, somente ele é que se apega a detalhes – e detalhes que fazem sentido.
Entre o distinto público, dr. Wanzeller, há gente que não é perito, mas não esquece de certos detalhes.
E entre o distinto público, saiba mais ainda o dr. Wanzeller, há gente que tem interesse em saber de histórias de transgressões quaisquer não porque seja divertido saber disso, mas porque é necessário coibi-las, para que não voltem a acontecer, e porque é necessário punir os responsáveis.
Pois o distinto público somos todos nós, a quem, como todo o respeito, o dr. Wanzeller pretende agora enganar, iludir, confundir, atrapalhar.
Mas o dr. Wanzeller não tem conseguido isso.
E como ocorria a manipulação de laudos?
O que disse o dr. Wanzeller quando foi exonerado?
Disse claramente que laudos emitidos pelo CPC Renato Chaves, então dirigido por ele, estavam sendo adulterados, fraudados, manipulados criminosamente nas delegacias de polícia, para ocultar, entre outras coisas, supostos crimes de torturas e execuções praticados por policiais.
Foi isso que disse o dr. Wanzeller, o perito que foi ser perito na vida para ser preciso.
E o que disse o mesmo dr. Wanzeller, ao término das três horas em que permaneceu trancado com promotores de justiça?
Disse ter apresentado cópias de 40 laudos periciais de supostas execuções sumárias praticadas por policiais militares na Região Metropolitana de Belém. “Saí da direção, mas continuo perito criminal. Entreguei os documentos e pedi que o Ministério Público cruze as informações com os inquéritos criminais”, disse o dr. Wanzeller.
E aí?
Não tem aí.
Wanzeller não explicou como ocorreria o suposto esquema de manipulação da perícia pela Polícia e negou a adulteração dos laudos por parte dos peritos, mas reafirmou que em vários casos de execuções a Polícia não tem agido como deveria ser um inquérito policial, mesmo que os laudos comprovem as execuções.
Uma coisa é uma coisa...
É aqui, precisamente, que temos o nosso fio de cabelo.
É aqui, precisamente, que se faz necessário reforçar ao dr. Wanzeller que a precisão é indispensável para dar sentido a situações complexas.
Uma coisa, sabe o dr. Wanzeller, é uma coisa.
Outra coisa é outra coisa, completamente distinta da coisa anterior.
Uma coisa é um laudo fraudado, manipulado, distorcido, viciado em suas conclusões.
Outra coisa é uma execução, um crime de tortura ou outro qualquer.
O que é um laudo fraudado, hein, dr. Wanzeller?
Um laudo fraudado – sabe o dr. Wanzeller e sabemos todos nós, mesmo que não tenhamos estudado para ser perito na vida – é aquele laudo, por exemplo, que concluiu ter havido um crime de execução sumária por policiais, mas que é juntado pela polícia num inquérito como se o policial é que tivesse sido vítima de uma execução sumária.
Isso, sim. Isso é que é exemplo de um laudo fraudado, viciado, manipulado.
Como demonstrar que houve a fraude, o vício, a manipulação?
Simples: contrapor a cópia do laudo original como o laudo supostamente viciado, fraudado pela polícia.
Quando o dr. Wanzeller fez isso?
Quando o dr. Wanzeller fez o cotejo?
Quando o dr. Wanzeller mostrou a cópia de um laudo verdadeiro e de outro mentiroso, forjado, fraudado?
Até agora, ainda não mostrou.
O dr. Wanzeller pode estar dizendo a verdade quando diz que houve execuções, torturas e outros crimes que foram ocultados pela polícia?
É claro que pode.
Aliás, agora mesmo está em curso um inquérito policial militar que apura o suposto envolvimento de PMS da Rotam em cinco execuções de suspeitos de matar um policial militar que integrava a própria Rotam.
Mas o que nós queremos saber, dr. Wanzeller, é o seguinte: o que é que o senhor, na condição de diretor de um centro de perícias científicas como o “Renato Chaves”, tinha a ver com isso?
O que o senhor tinha a ver com a suposta tentativa da PM de ocultar crimes de tortura ou de execuções?
Nada, absolutamente nada.
Agora, se as ocultações ocorreram mediante a adulteração de laudos, aí sim.
Se as ocultações ocorressem mediante a prática de fraudes de laudos, aí sim.
Mas, se ocorreram, cadê os laudos fraudados?
Afinal, cadê as provas?
Cadê?
O dr. Wanzeller não mostrou e não mostra.
Se não mostrou e não mostra, é porque não as tem.
Se não as tem, falhou – e falhou gravemente, para não dizer criminosamente – na sua própria função de perito, que precisa estar amparado em detalhes consistentes para concluir que um crime ocorreu desta ou daquela forma.
Como não tem essas provas, o dr. Wanzeller virou um personagem à procura de uma denúncia consistente.
O dr. Wanzeller age como alguém que chama a Imprensa e faz a seguinte denúncia: estão preparando veneno para jogar no pé das mangueiras de Belém para contaminá-las. E em uma semana, todas as mangueiras de Belém vão desabar.
Um escândalo!
Aí, quando chamam o denunciante para apresentar provas, e como ele não as tem, começa a dizer que há omissões no tratamento dado às mangueiras, que não fazem a poda regularmente, que não dizimam as ervas-de-passarinho com regularidade e blablablá.
E aí?
O que tinha a ver o veneno colocado no pé das árvores com o mau tratamento regular dispensado às mangueiras?
Nada. Uma coisa nada tinha a ver com a outra.
Porque uma coisa era o veneno jogado no pé das mangueiras. Cadê a prova? Não havia prova.
Outra coisa era o mau tratamento dispensado às mangueiras. Quanto a isso, havia provas.
É assim que está agindo o dr. Wanzeller.
Laudos deveriam atestar omissões
Mas vamos voltar à seara do dr. Wanzeller.
Suponhamos que o dr. Wanzeller tenha contado a verdade, quando disse aos promotores que a polícia vinha se negando constantemente a apresentar elementos indispensável à elaboração de laudos periciais.
Suponhamos, por exemplo, que a polícia não solicitou o levantamento do local do crime, elemento primordial para saber as circunstâncias em que o fato ocorreu.
Céus, dr. Wanzeller.
Céus!
Se alguma vez ocorreu isso, a perícia deveria dizer claramente que não foi possível chegar a essa ou àquela conclusão porque a polícia não solicitou o levantamento do local do crime.
E um registro desse constante de um laudo seria suficientemente para incriminar a polícia.
Mas cadê um registro como esse?
Por que o dr. Wanzeller não mostra?
Se não mostra, é porque o dr. Wanzeller não o tem.
O que é uma pena.
Pelo visto, temos de torcer pelo dr. Wanzeller.
Temos de torcer por três coisas.
Para que, no papel semelhante ao dos personagens de Pirandello, encontre logo uma denúncia consistente.
Para que deixe de ser Ofélia e volte a ser o dr. Wanzeller.
Para que, se as duas alternativas anteriores não derem certo, o dr. Wanzeller ponha o pé no jato e viaje ao Rio.
Lá no Rio, talvez, ele possa apresentar denúncias consistentes.
Do contrário, Wanzeller continuará trafegando naquela zona enevoada entre a Ofélia e um personagem à procura de uma denúncia consistente.
Um personagem que, enfim, fez uma denúncia que qualquer perícia desmontará – porque inconsistente, incoerente, incongruente, impalpável.
Uma denúncia de Wanzeller, enfim.
É assim.
2 comentários:
Cínico, dissimulado e mentiroso! O ex-diretor proferiu pra toda imprensa escrita e falada, que os Laudo emitidos pelo CPC Renato Chaves, eram fraudados, manipulados nas delegacias para ocultar crimes de execução! Hoje escutei uma reportagem do mesmo, afirmando que jamais falou o que falou! Este jovem senhor, precisa urgentemente de uma perícia psiquiátrica!
Atenciosamente,
Renato Ferreira da Silva
Perito Criminal
KKKKK, mas se até notícia de jornal é manipulada...
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