domingo, 22 de fevereiro de 2009

Chove poesia nos campos de Cachoeira

SERGIO BARRA

Este ano será muito prazeroso e fundamental para a literatura amazônica, quando o embalo das marés do Marajó afagou um dos maiores autores paraenses de todos os tempos que completa seu centenário de nascimento. Estamos falando de Dalcídio Jurandir Ramos Pereira, ou apenas Dalcídio Jurandir. Nasceu no município de Ponta de Pedras, no dia 10 de Janeiro de 1909. Mudou-se depois para a Vila de Cachoeira, onde possivelmente tenha escrito a primeira versão de seu mais famoso romance "Chove nos Campos de Cachoeira".
Durante o tempo em que permanecera em Belém, estudou no Grupo Escolar "Barão do Rio Branco" e no Ginásio "Paes de Carvalho", porém sem dar continuidade aos estudos. Era um autodidata e ao longo de sua existência, através de sua brilhante inteligência e agudeza de espírito, colaborou com jornais de Belém e do Rio de Janeiro. Foi ativista do movimento da Aliança Nacional Libertadora. Por ser militante comunista, foi preso por duas vezes, a primeira em 1936, por dois meses; a segunda em 1937, quando ficou preso por quatro meses.
Escreveu para vários jornais e revistas com talento, sem maneirismos desnecessários, porém, com absoluta precisão, como O Radical, Diretrizes, Diário de Notícias, Correio da Manhã, Tribuna Popular, O Jornal, O Cruzeiro e a Classe Operária. No Seminário Para Todos, trabalhou como redator sob a supervisão de Jorge Amado.
Após o lançamento de "Chove nos Campos de Cachoeira" , em 1941, ganha com méritos o primeiro lugar no concurso literário instituído pelo jornal Dom Casmurro e pela Editora Vecchi. À época, concorreu com quase uma centena de escritores de todo o País. Seu trabalho foi julgado por ícones da literatura brasileira: Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Oswaldo de Andrade e Álvaro Moreyra.

-------------------------------------------
“Dalcídio deveria ser leitura obrigatória nos colégios, cursos de todos os graus, na área de Letras e Língua Portuguesa por todos os rincões deste País”
-------------------------------------------


Exerceu a função de repórter na Imprensa Popular, a partir de 1950, viajou para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e para o Chile, o que permitiu que ele publicasse o restante de suas obras em outros idiomas. Ganhou em 1972, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo conjunto de sua obra.
Deixa um imenso vazio na cultura brasileira e amazônica ao falecer em 1979. Mas nos brinda como escritor com as seguintes obras: Chove nos Campos de Cachoeira, Marajó, Três Casas e um Rio, Belém do Grão Pará, Passagem dos Inocentes, Primeira Manhã, Ponte do Galo, Os Habitantes, Ribanceira (Ciclo Extremo Norte) e Linha do Parque.
Dalcídio Jurandir é sem sombra de dúvidas um dos mais importantes escritores que representa o regionalismo amazônico, mais precisamente o paraense. Dalcídio construiu com argila colorida os tijolos moldados no barro marajoara uma ponte para a difusão e divulgação da Amazônia. Contudo, sem o reconhecimento que se faz necessário a esse grande mestre das letras e que tem suas obras pouco divulgadas, principalmente no Norte do Brasil. Dalcídio deveria ser leitura obrigatória nos colégios, cursos de todos os graus, na área de Letras e Língua Portuguesa por todos os rincões deste País.
Os próximos anos devem reparar todo esse erro histórico. Ademais, o problema é que tanto a vida quanto a obra desse escritor marajoara, paradoxalmente, continuam envoltas em uma névoa de incerteza para muitos leitores e estudantes do País. A razão é simples: pouco, muito pouco, do que ele escreveu ao longo de sua trajetória está nas bibliotecas - e a razão para isso envolve uma longa polêmica entre instituições, editoras e os detentores de seus direitos de publicação.
Mais uma vez, para minha alegria e de muitos que fazem O Império do Samba "Quem São Eles", me deparo com essa magnífica e justa homenagem que a minha escola de samba querida vem trazer para a Aldeia Amazônica David Miguel. A homenagem a um de seus filhos mais ilustres desse mundo Amazônico. O enredo: "Dalcídio Jurandir - O Marajó na Celebração do Centenário" ratifica a tradição dessa agremiação carnavalesca em abordar as temáticas regionais em seus enredos.
Por isso, chove poesia nos campos de cachoeira. O samba vencedor, com muita justiça, de autoria de Osvaldo Garcia e Antônio D' Pádua, mostra realmente que estavam "embalados pelas mãos da maré cheia" e foram muito felizes com esses versos: "Quem São Eles" somos nós/ A voz da consciência cultural/ Outra vez no carnaval/ Valorizando o enredo regional.

-------------------------------------------

SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

Nenhum comentário: